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Free Thoughts X - Uma questão de patriotismo

Estados Unidos da América, país de consumismo desmesurado e patriotismo exacerbado. Qualquer americano que se preze, tem de, obrigatoriamente, ser o altivo detentor de uma potente caçadeira de canos cerrados, guardada religiosamente num armário, mas sempre em posição propícia a alvejar um possível bandido. Para além disso, os habitantes destes longínquos domínios devem de, regularmente, ostentar, asteada num verdejante e apelativo jardim, uma bandeira da sua sublime nação.

Convenhamos, caros leitores, o povo das recônditas terras do tio Sam é litigioso, apaixonado e, consequentemente, extremamente influenciável. É assombrosamente simples manipular a volátil, arrogante e orgulhosa em demasia personalidade do característico Norte-Americano, visto que, para despoletar a sua fúria, basta uma pequena provocação ou uma casual observação impertinente que então, certamente, os bravos cidadãos dos EUA, sentirão uma enorme vontade de nos dilacerarem, para assim satisfazerem as caprichosas necessidades requeridas pelo seu descomunal ego.


Tenho agora o prazer, de vos convidar a realizarem comigo uma pequena analepse, retornemos, por uns breves momentos, aos primórdios da década de 90. Por esses dias poucos ou nada saudosos, a economia mundial convivia com as nefastas influências da terrível Guerra do Golfo, quanto aos conterrâneos da malograda família Bush, esses, andavam loucos em busca dos lingotes de ouro Iraquiano e do petróleo oriundo da região do Kuwait. No que concerne ao famigerado povo árabe, este, tinha de lidar com o cada vez mais acentuado processo de estereotipização e discriminação de que eram/são alvo.

Nestes atribulados dias do passado, Vince McMahon decide, por mais uma vez, brincar subtilmente com o fogo. Na opinião do complexo, mas visionário, líder da então WWF, era o momento ideal para jogar com os mais profundos sentimentos patentes no coração de milhares de Americanos que viviam oprimidos com o flagelo que, infelizmente, se registava no Médio-Oriente.

Ora sendo assim, uma nova personagem, mais concretamente um vilão, insurge-se no horizonte da maior promotora de wrestling mundial...Não o típico heel metódico, vil e cruel, nem mesmo aquele mísero “mau da fita” calculista e perverso que não possui a menor noção de ética, mas sim um individuo genuinamente irritante e transtornante, um ser capaz de conduzir a uma letal apoplexia qualquer Americano que pomposamente se vanglorie por pertencer ao, supostamente, mais esplendoroso país do mundo.

De facto, o impacto e a afirmação de Sgt. Slaughter enquanto tenebroso heel foram imediatas. A base desta curiosa e caricata personagem era tão simples que chega a roçar levemente nas barreiras do ridículo. Um ex-soldado Norte Americano que prestou serviço no Iraque, mas que contudo, teve a terrível audácia de cometer aquele que é, para muitos cidadãos do EUA, a maior atrocidade possível de imaginar. Slaughter foi ousado o suficiente para cometer o hediondo acto de virar as costas à sua nobre pátria, de maneira a desrespeitá-la na companhia de um bando de vândalos malcheirosos de origem Árabe. Que característico Americano patriótico poderia aceitar tamanha monstruosidade vinda de um homem que tinha a seu cargo as dignificantes funções de protector máximo da nação?

Nenhum e como tal o sucesso deste peculiar sargento foi imediato, o público vaiava-o prontamente e arremessava na sua direcção os mais variados objectos com o único intuíto de o magoar, todos acreditavam naquilo que presenciavam, todos nutriam por aquele sujeito um ódio genuíno, qualquer fã de wrestling de então, se sentia perfeitamente capaz de reduzir a cinzas Slaughter com as suas próprias mãos de maneira a fazê-lo pagar, com elevados juros, pelos seus terríveis crimes cometidos contra a transcendente pátria.
Os dados estavam assim, irrevogavelmente, lançados e Vincent Kennedy Mcmahon, um homem que, quer o admitam ou não, foi, evidentemente, abençoado por acentuados traços de brilhantismo, tinha nas suas poderosas mãos um dos heels mais mal aceite pelo vasto público e, por conseguinte, mais bem sucedido na sua função de fomentar ódio e revolta, da história da indústria.

Tendo em conta estes factores anteriormente referenciados, aquele que tivesse o inaudito privilégio de derrotar o sargento desertor e assim recolocar alguma justiça nesse mundo invadido pelas imperscrutáveis trevas, seria, para todo a sua gloriosa eternidade, reconhecido como um autêntico promotor do bem, ou seja, um bravo “American Hero”.
Por esta época perdida no brumoso decorrer dos anos, existiam apenas dois candidatos a serem promovidos à deveras invejável posição hierárquica de supremos heróis: Hulk Hogan e Ultimate Warrior. Infelizmente, o valoroso Guerreiro de nome Jim Hellwig demonstrou, por mais uma vez, ser detentor de um carácter irascível e como tal Hogan foi o escolhido para humilhar Slaughter e assim se tornar numa figura ainda mais proeminente do que aquela que já era. De qualquer modo, isso são outros carnavais que nada nos interessam para a crónica de hoje, portanto, convido-vos a prosseguir, deixando-vos apenas uma pequena promo da época que, no meu parecer, evidencia bem o choque de valores e de ideologias que esteve presente nesta mediática rivalidade que envolveu, os já por múltiplas vezes mencionados, Sgt. Slaughter e Hulk Hogan.



Adiante, fiéis leitores, quando contemplei Vladimir Kozlov pela primeira vez, admito que o considerei desde logo um potencial main eventer do inóspito e imprevisível dia de amanhã. Este Russo tem tudo, desde intensidade, a força, a dureza, a experiência, etc...
Relembro-me das primeiras vezes em que ele se expôs ao grande público como wrestler da Smackdown. Kozlov não necessitava das capitalistas, pomposas, superficiais e fúteis músicas e vídeos de entrada a que os Americanos se haviam, com o vagaroso decorrer dos tempos, acostumado. Em lugar desses bens tão desnecessários e que espelham na perfeição a personalidade espalhafatosa dos conterrâneos de Vince McMahon, figurava antes o silêncio, a concentração, a austeridade, o calculismo, a frieza e a vontade inabalável de destruir o seu oponente.
Depois, com o decorrer das semanas, chegaram os primeiros combates de Vladimir, os seus adversários eram, obviamente, a escória social do wrestling, os miseráveis jobbers detentores de um fraquíssimo porte físico que nada poderiam fazer ou proferir para deter aquele ser verdadeiramente animalesco, originário de Moscovo. O patriótico público, reagia então com sonoras ondas de gritos de inegável desaprovação, para assim libertar o agoniante ardor de injustiça que lhes congestionava o peito.
Posto isto, nesses dias mais felizes, cruzei os dedos e esbocei aquele sorriso de quem vê a sua almejada premonição finalmente realizada. Era mesmo realidade, um novo e colossal heel estava aqui, pronto e, inequivocamente, destinado a ser repetidamente vitimizado pelos intolerantes ódios alheios.

Desta feita, não em versão de um desertor do exército Americano, mas sim, tal como já mencionei, na forma de um Russo (ou melhor dizendo Soviético) rijo, intransponível e impiedoso que apenas desejava massacrar os desprotegidos e fraquitos “americanitos” que lhe apareciam pela frente na sua sinuosa incursão até ao topo.
A onda invicta de Kozlov crescia a olhos vistos e com ela a minha expectativa aumentava consideravelmente. Nesses momentos de ansiedade questionava-me...quando chegarão as promos que envolverão comparações estapafúrdias e descabidas entre Rússia e EUA? Quando chegarão as vestimentas que têm como cor e adorno a bandeira da defunta União Soviética? Quando iria, por fim, a WWE a colocar na sua programação um heel que, ainda mais grave do que insultar o público, se atreve a menosprezar e a desvalorizar os Estados Unidos?
Em suma, quando chegariam as ultrajantes evidências de que Vladimir Kozlov havia sido um produto “made by Vince” com o propósito de chocar e gozar com o sumptuoso ego Norte americano?


Ao que infelizmente parece, o senhor supremo dos destinos da maior promotora de wrestling do mundo aboliu da sua mente iluminada a ideia de criar, novamente, um vilão tão odiável que tornaria, instantaneamente, aquele índividuo que fosse capaz de o derrotar num aclamado e credenciado herói.
Ao que nos consta, nos dias trausentes, a glória de Vladimir Kozlov já vai longe e, por conseguinte, os tempos em que este era encarado como uma feroz competidor perdem-se na ténue linha do horizonte. Como repercussão desta indesejável situação, este valoroso Russo torna-se, cada vez mais, num simples insecto irrequieto e desagradável, rapidamente esmagado pelos imperiosos habitantes dos EUA.
Todavia ainda mantenho, num recanto profundo do meu coração, a cada vez mais débil esperança de que o nosso “tio Vinnie” se aperceba das potencialidades da personagem interpretada por Oleg Prudius e que lhe venha a dar, num futuro próximo, um rumo diferente do actual de modo a transfigurá-lo num dos melhores heels da actualidade e, quiçá, numa das figuras mais odiadas de toda a história desta aclamada modalidade.


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