Para Bret Hart o wrestling sempre foi algo mais do que uma profissão isolada da sua vida pessoal. Este, no seu entender, acreditava convictamente que as suas prestações em ringue se deveriam de cingir apenas ao seu modo de agir e era a grande custo que preconizava algo tão básico, nos dias transactos, naquilo que ao pro-wrestling concerne, como um heel turn.
Para quê isso? Na sua mente nada dessas coisas faziam sentido. O seu pai Stu sempre o havia instruído no sentido de levar um vida honrada e pacata, sendo assim, o ambiente “cartoonísco” no qual a modalidade estava então embuída nada lhe transmitia.
Em 1993, Hogan abandona a WWF para então ingressar na WCW. Como seria de aguardar, Bret, wrestler reputado pela sua pertença à prestigiada Hart Foundation; pelos seus laços sanguíneos; pela sua qualidade técnica; pela sua responsabilidade profissional; e pela sua integridade enquanto ser-humano, foi o natural sucessor de Hulk.
Será que a atitude do Canadiano se modificou? Nem por um segundo, e este continuou a fundamentar as suas prestações na companhia de Vince McMahon, de acordo com os valores altruístas que lhe eram intrínsecos, pois, no fim de contas, o wrestling para si era algo que tinha como propósito incutir em todos os espectadores sentimentos como: a amizade, a lealdade, o respeito; e a capacidade de diferenciação objectiva entre bem e mal.
Com o decorrer da década de 90, a competição entre WCW e WWF intensificou-se. Como consequência, o wrestling foi adquirindo contornos cada vez mais adultos que pretendiam cativar faixas etárias mais elevadas e por conseguinte, os vilões começaram a ter a seu cargo uma posição cada vez mais proeminente no seio da WWE/F, que, ao invés dos nobres cavaleiros de armadura resplandecente, preferia agora optar por exibir na sua programação mulheres semi-nuas e sujeitos a embriagarem-se – Bret não compreendia isso e, como tal, deu consigo perdido num local sombrio e inóspito...
Numa altura, em que as concepções acerca do pro-wrestling se alteravam drasticamente, uma nova figura surgiu. O seu nome era Shawn Michaels e a personalidade deste era, simplesmente, uma realidade paradoxal aquela com que Bret convivia e na qual acreditava devotamente.
Shawn, contrariamente a Hart, não se regia pelos tradicionais valores do respeito, empenho, descrição e ponderação. Michaels era, na verdade, um poço infindável de arrogância e presunção, pronto a explodir a qualquer momento numa onda de exuberância simplesmente imatura.
Para Bret isso era ultrajante. Porém, a dura verdade é que Shawn era, com a sua figura de “play-boy” indomável, o futuro da indústria, enquanto que Hart não passava de um individuo pacato e de concepções ultrapassadas.

Nos primórdios de 1996, Hbk triunfa no Royal Rumble match. Postumamente, na WM 12, dá-se o há já muito aguardado, confronto, não só entre dois dos mais brilhantes wrestlers da época, mas também entre duas vertentes da indústria e dois estilos de vida completamente opostos.
No término de um sublime iron man match, Vince McMahon dizia-nos pelo que se iria reger a WWF nos tempos vindouros e, o arrogante Shawn Michaels, saia triunfante. Contrariamente a esta realidade festiva, Bret, e com ele todos os nobres valores que lhe eram inerentes, jazia imóvel no chão frio do ringue.
Os meses continuam a decorrer calmamente. Hart realiza uma breve pausa. Shawn lesiona-se e vê-se forçado a abdicar do seu título mundial...Por volta do fim de 1997, Bret (com a New Hart Foundation) e Michaels (com os DX) entram, por mais uma ocasião em feud. Consequentemente, os valores defendidos por ambos os homens chocam novamente.
A WWF estava em crise e Vince não poderia continuar a sustentar os honorários cobrados por Hart, sendo assim, o presidente da promotora do Connecticut, pede a Bret que este assine com a WCW, mesmo sabendo que o Canadiano era então o seu campeão mundial e a sua principal figura...
Como repercussão de toda esta situação, dá-se o infame “Montreal Screwjob”, a partir do qual Bret viu serem arremessadas à lama todas as suas crenças e Shawn entrou nos seus dias de apogeu, durante os quais o seu ego se expandiu até limites verdadeiramente insuportáveis...

Amargurado com a imperceptível traição de Vince, debilitado com a terrível morte do seu saudoso irmão Owen e depois de um doloroso pontapé de Goldberg, o Hitman retira-se oficialmente dos ringues a Janeiro de 2001, velho, gasto, lesionado, cansado e sabendo no seu íntimo que todas as concepções pelas quais a sua carreira se havia guiado se encontravam totalmente ultrapassadas pela ocorrência da mediática “Attitude Era”.
Nestes tempos, Shawn estava retirado das lides do pro-wrestling devido a lesão. Michaels apenas regressou, corria o ano de 2002. Curiosamente este, que havia sido, com o seu comportamento rebelde, um dos principais impulsionadores do triunfo e da ousadia intrínsecas à Attitude Era, por causa da sua já mencionada lesão, praticamente nunca pisou um ringue durante todo esse período envolto em loucura.
O já há muito conhecido corpo de Hbk poderia agora se dirigir até ao ringue todas noites, todavia, o jovem arrogante, imprudente e egocêntrico já não residia aí. Em seu lugar, um sujeito humilde que tinha aprendido a viver orientado pelos sábios ensinamentos do cristianismo.
As substâncias ilicitas e as infinitas noitadas haviam sido colocadas de parte na lista de prioridades de Shawn, a ocupar esse espaço, figuravam agora a hora da missa, o jantar de família e tudo aquilo que é característico à vida do típico homem comum.
Graças a esta drástica mudança de mentalidade, o que se seguiu na sua carreira, não foram títulos ou protagonismos desnecessários, mas sim o árduo trabalho diário na tentativa de agradar aos fãs e a vontade desmesurada em auxiliar a juventude residente no balneário da WWE, de maneira a que também estes possam deixar a sua marca na modalidade – No corpo de Michael Hickenbottom reencarnou um individuo íntegro, que, como fruto da sua nova postura, teve a sorte de ser perdoado pelos seus erros passados.

Quanto a Bret, o que fez esse durante o seu período de ausência do wrestling profissional? Refugiou-se no seu mundo. Continuou a perder-se por entre milhares de pensamentos que, nos dias transactos, já não fazem o menor dos sentidos. Insistiu na ideia de continuar a ser o modelo politicamente correcto a seguir e incrementou o seu rancor para com todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para a destruição do seu mundo utópico.
Como consequência do seu afinco desmesurado para com os valores em que acredita, muitas foram as críticas arremessadas contra Hart, durante o decorrer dos últimos anos, sendo talvez as mais sonoras de todas elas, aquelas que estão patentes na auto-biografia de Ric Flair (no seu livro, Ric declara que Bret se aproveitou da trágica morte do seu irmão Owen e do Montreal Screwjob, em proveito pessoal. Para além disso, o Nature Boy afirma ainda que Hart, apesar da sua popularidade em território Canadiano e Europeu, nunca foi um draw propriamente formidável nos EUA).
A 1 de Abril de 2006 Hart é induzido no Hall of Fame, durante o seu discurso, este afirmou que nunca esqueceria aquilo que a WWE lhe havia retirado, mas que contudo, também nunca poderia ignorar tudo o que a promotora lhe havia proporcionado...
A carreira de Bret findou, mas os seus valores mantêm-se irredutíveis e as suas ideologias pouco, ou nada, progrediram desde aqueles fatídicos anos 90, durante os quais as concepções altruístas em redor do pro-wrestling caíram. Tendo em conta estas factores, não teremos nós, fãs, razões concludentes para classificarmos o wrestler Canadiano como um sujeito demasiado retrógrado e intransigente, que se mostra incapaz de constatar o quão ultrapassadas estão as suas concepções acerca do pro-wrestling? Contrariamente a este caso, Shawn Michaels despiu-se de arrogâncias e presunções, renunciou ao seu, outrora, descomunal ego, tornando-se num melhor ser-humano...Até que ponto poderá Hart, com a sua postura íntegra, ter influenciado a vida e, consequentemente, a carreira de Hbk?

Para além destas, muitas outras questões pertinentes se impõem, nomeadamente:
-Poderá Vince ter razão quando afirma que o Hitman, com a sua casmurrice, se lixou a ele próprio?
-Recentemente, surgiram rumores de que poderá ser Hart a introduzir Hbk no HOF, serão isso sinais de que existe vontade em resolver definitivamente velhas divergências?
-Até que ponto poderá Flair ter razão ao afirmar que o Hitman se aproveitou das situações de que foi vitima, de modo a se tornar, aos olhos dos fãs, num mártir dos interesses de Vince McMahon?
-A vida tem as suas ironias...Bret, tal como já referi, com a sua pose digna, talvez tenha incutido em Shawn os valores pelos quais se deve reger o dia a dia de um bom homem. Poderá Michaels, com a sua nova atitude mais ponderada, conseguida após diversos anos de retiro espiritual, demonstrar a Hart que também este deve de progredir e abandonar, finalmente, os velhos rancores que o atormentam?
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p.s: Como complemento do texto de hoje, deixo-vos os links para dois documentários. Um referente a Bret Hart e que, recentemente, foi postado aqui no WN, pelo meu colega Sabão (podem consultá-lo clicando
aqui) e outro referente a Shawn Michaels, com o qual me deparei, após alguma procura, no Sapo Vídeos:
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http://videos.sapo.pt/nVz0zcE44Cf79WGGFgRnAconselho-vos vivamente a observarem os vídeos, quando tiverem tempo, pois ajudar-vos-á a compreender melhor quem são os indivíduos por trás de Shawn Michaels e de Bret Hart.
Fiquem bem