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Free Thoughts XXIV - o infeliz paradoxo do sucesso

O paradoxo marca, inevitavelmente, a existência humana.

Vivemos iludidos pela doce utopia do sonho. Ambicionamos grandes vivendas com verdejantes jardins e piscina olímpica de águas luzidias; desejamos avidamente por aquele carro desportivo topo-de-gama que observamos no stand e por aquela viagem de sonho às ilhas Maldivas.

Porém, em quantas ocasiões nos questionamos acerca do real valor das coisas que aspiramos possuir? A mansão é luxuosa, contudo, exige a dispensa de avultadas quantias em tratamentos da água da piscina e da relva do jardim. O Ferrari descapotável é óptimo para engatar miúdas, no entanto, após consultarmos a factura da gasolina, constatamos que talvez até saísse mais em conta para a carteira dirigirmo-nos a uma casa de putas. Quanto a viagens a paraísos tropicais, essas são deveras agradáveis, durante, sensivelmente, duas semanas....depois disso, há que voltar para a abúlica realidade e passar um ano a contar os tostões, de forma a pagar as férias em dispendiosas prestações mensais.

Em inevitável conclusão, nada é perfeito. Trabalhamos no sentido de desfrutarmos do lado bom da vida, todavia, esse lado acaba por, postumamente, nos forçar a passar por maus momentos, no sentido de preservarmos aquilo que alcançámos – pena que a pura inconsciência não permita a muito boa gente aperceber-se de tal facto.

Em Maio de 2008, tive o prazer de me dirigir, numa sexta-feira que havia de ficar para a história, ao Parque da Bela Vista, em Lisboa, no âmbito de presenciar uma noite de Rock In Rio. Como um dos cabeças de cartaz, tínhamos Amy Winehouse, que, nessa noite, viria a convergir ao palco num estado absolutamente deplorável, tal era a sua embriaguez.

Durante sensivelmente 45 minutos esta permaneceu diante de nós, gritou, gesticulou, emborcou vinho do porto, fumou um ou dois maços de cigarros, num espectáculo deplorável. Tal situação conduziu-me a um intenso processo de reflexão, o que estaria afinal aquela rapariga a fazer ali, em cima de um palco, num estado lastimoso? Não deveria ela de estar numa clínica de desintoxicação, circundada por familiares e ente-queridos?

É claro que sim. Mas para tal se verificar, esta teria de ser um ser-humano absolutamente trivial. No entanto, Amy, à conta do seu talento, forra os bolsos de muitas editoras musicais e promotores de espectáculos. Sendo assim, até esta sucumbir perante a terrível existência que protagoniza, nada mais lhe restará a fazer do que ser completamente explorada.

É este o triste preço do mediatismo, que, no fundo, acaba por ser uma autêntica faca de dois gumes e se, por um lado, nos proporciona muito, por outro, arrasta-nos num turbilhão de decadência que nos pode custar a própria vida.

Lex Luger, vivia encantado com o seu próprio reflexo de Narciso. Dedicou-se ao mundo do pro-wrestling com grande perseverança, alcançou o terno sucesso e, então aí, deixou-se levar pela opulência e indecência de quem, erradamente, julga estar no centro do mundo.

Deixou de contactar familiares, envolveu-se com substâncias ilícitas, viu-se inserido no trágico falecimento da saudosa Miss Elizabeth e, como malograda cereja no topo deste infeliz bolo, devido a todos os excessos cometidos durante uma carreira recheada de erros, financiada pelo sucesso, deu-se a braços com um terrível problema na coluna que, durante um considerável período de tempo, o deixou tetraplégico.

Hoje, a vida de Luger decorre de um modo pacato e em lugar à antiga avareza e arrogância que lhe eram intrínsecas, figura a humildade e, muito provavelmente, o arrependimento de um individuo, cuja sua maior ambição trausente é a de conseguir realizar todas as tarefas do quotidiano sem necessitar do auxílio de outrém.


Grande parte da existência de Eddie Guerrero, também se pautou pelo excesso. Este viciou-se em álcool, pain-killers e travou um contacto demasiado próximo com muitas outras substâncias nocivas para a saúde humana.

Porém, devido à paixão descomunal que nutria pelo wrestling profissional, conseguiu suplantar todos os erros cometidos no passado, de modo a organizar a sua vida, tornar-se campeão mundial da WWE e, mais importante que isso, converter-se num exemplo para muitos.

Segundo companheiros próximos, Eddie, nos seus últimos meses de vida, queixava-se com alguma frequência de excesso de fadiga. Contudo, os fãs aguardavam por si e Vince McMahon almejava colocar as suas ávidas garras nas avultadas receitas monetárias que o “Latino heat” se evidenciava como capaz de providenciar. Sendo assim, o valoroso Guerreiro não podia parar e, devido a todos os abusos cometidos no passado, o seu coração acabou por não aguentar e, consequentemente, este faleceu. Foi este o inglório preço que Eddie pagou pela sua carreira bem-sucedida.

Chris Benoit edificou uma carreira nesta indústria, assente nos bravos valores do esforço, intensidade, devoção, garra e perseverança. O seu currículo, naquilo que a títulos mundiais concerne, pode ter acabado por se revelar como algo discreto, porém este conquistou com todo o seu afinco algo bem mais importante – o respeito e admiração daqueles que o torneavam.

Nos primórdios do verão de 2007, uma tenebrosa notícia choca os seguidores assíduos desta modalidade: Benoit, aquele que sempre se havia evidenciado como um profissional respeitável, num repugnante acto de insanidade injustificável, assassina a mulher, o filho e enforca-se de seguida.

Recentemente, o destino pregou a sua rasteira em terras nipónicas e desta feita, com ela, quem sucumbiu, em pleno ringue, foi o fundador da pro-wrestling Noah, Mitsuharu Misawa, uma das mais emblemáticas e incontornáveis figuras da indústria em domínios asiáticos.

Todos os wrestlers aqui expostos tiveram um final triste e consideravelmente inglório, após uma carreira recheada de triunfos. No fundo, foi esse o terrível preço a pagar pelo seu sucesso, que os forçava a treinar durante horas a fio, a faltar a jantares de família para estarem na estrada em digressões e a aniversários dos filhos para se dirigirem a sessões de autógrafos.

Em suma, estes eram escravos da reputação que haviam construído, ao longo dos anos, e, devido ao facto de milhares de indivíduos os idolatrarem e de diversos promotores terem avultadas maquias de dólares a ganhar com o seu trabalho, uma pausa para cuidar de algo tão supérfluo como a sua própria saúde, fosse essa física ou mental, era algo de absolutamente impensável.

É triste este maldito paradoxo, que, ao nos elevar para uma posição de tão grande importância no dia-a-dia de milhares de perfeitos estranhos, apenas torna a nossa existência mais precária e assente sobre uma maior quantidade de riscos. Amy, Eddie, Luger, família Benoit, Misawa, infelizmente, entre uma imensidão de outros profissionais, aclamados pelas caprichosas massas, que o digam e confirmem com a sua tumultuosa história de vida, que, a meu ver, deve servir ao menos para qualquer um que ambicione seguir carreira pelo penoso mundo do espectáculo (seja ele wrestling ou outra coisa qualquer), retirar ilações e evitar certos erros que se podem vir a revelar como fatais.

E é com este texto que termino a minha passagem pelo Wrestling Notícias, só me resta agradecer a toda esta soberba equipa que tão bem me acolheu e aconselhou, auxiliando-me, sem margem para dúvidas, na tarefa de me tornar num cronista melhor. Quanto aos leitores, só me resta entoar um profundo obrigado pelos minutos perdidos a ler as minhas dissertações lunáticas. Sinto-me um privilegiado por ter trabalhado num local a que muitos apenas sonham chegar e orgulhoso por saber que, durante cerca de 5 meses a fio, nunca falhei com os meus compromissos e que, todas as sextas-feiras, um texto da minha autoria foi postado.

Fiquem bem;)
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