As MMA retornam às raízes brasileiras no UFC 134

Em antigo no Yahoo! Sports, Dave Meltzer aborda a história das MMA e da sua formação no Brasil no início do século passado. Um artigo muito interessante para quem quer saber um pouco da história do desperto e de alguns dados históricos muito relevantes.....
Muitos consideram o Brasil como o berço do MMA, mas no dia 27 de Agosto, quando o UFC retornar ao país depois de 13 anos de ausência com o evento na HSBC Arena no Rio de Janeiro, os brasileiros receberão um evento muito diferente daquelas lendárias lutas de “vale tudo” que aconteciam nos primórdios do desporto.
Assim que o desporto nasceu, assim como a maioria dos desportos modernos, houve uma mistura de memórias que foi transmitida através das gerações. A ideia de misturar estilos de luta pode realmente ser vista num desporto chamado Pankration nos primeiros Jogos Olímpicos na Grécia, há cerca de 2.800 anos atrás. Também houve algumas lutas desse tipo no final do século XIX no Japão. Mas o UFC foi uma marca criada por Rorion Gracie, filho de Helio Gracie, uma lenda do desporto no Brasil, com suas lutas de “vale tudo” datadas da década de 30. O termo “vale tudo” traduzido para o inglês, seria algo como “anything goes”.
Apesar da vinda para o Rio de Janeiro ter sido uma decisão de negócios mal calculada, o presidente do UFC Dana White agora procura remediar o seu erro com a descoberta de um imenso potencial pois ele claramente subestimou o potencial do UFC no Brasil.
“Este evento no Rio, na cidade que será palco dos maiores eventos desportivos do mundo, como s Jogos Olímpicos, a Campeonato do Mundo do futebol e o UFC” afirmou Dana. “Nós planeávamos vender 14.000 ingressos e vendemos todos. No primeiro dia, recebemos 350.000 telefonemas de pessoas que queriam comprar ingressos. Nós poderíamos ter feito o evento num estádio de futebol. Nós tínhamos acabado de sair de Toronto (onde eles lotaram o Roger Centre com 56.000 fãs), então ficamos com medo de arriscar muito. Errámos. Poderíamos fazer um evento muito maior”.
O UFC 134, em outras palavras, poderia ser um evento muito mais lucrativo do que vai ser.
“O facto é que no Rio, quando você tem um evento, como um show de rock, eles vendem tantos ingressos que chega a ser ridículo” afirmou Kid Peligro, um historiador do jiu-jitsu. “Qualquer evento transforma-se num acontecimento. É como se você tivesse que estar lá, uma coisa que não se pode perder. Todo mundo quer estar lá. Com este evento, o que está acontecendo é uma combinação da popularidade do desporto com um grande evento. O Brasil está bombando.”
Nada parecido com cerca de 80 anos atrás, no que podemos chamar de infância do desporto.
“Em 1930 no Brasil, era como “A Lei do Mais Forte” (The Law of the Strongest Man)” afirmou Pedro Valente, um faixa vermelha de 9º grau aluno de Helio Gracie e historiador do vale tudo. “Eles usariam o jiu-jitsu para ensinar que nem sempre o homem mais forte vence uma luta”.
Essas primeiras lutas não aconteciam com música alta ou câmaras de TV. Não havia recompensas em dinheiro em jogo. Excepto nos primeiros anos da década de 1930 e de novo em 1950 e 1962, as lutas geralmente aconteciam em lugares pequenos e as vezes em academias abandonadas. As grandes lutas aconteciam em segredo para evitar que a polícia descobrisse e prendesse todo mundo.
Durante o pico de popularidade, as lutas aconteciam algumas vezes em grandes estádios de futebol, algumas vezes sem ringues (o cage ainda não existia). Outras vezes, as lutas aconteciam em quadras de basquete onde os lutadores que eram derrubados caíam no chão duro de madeira.
Durante os últimos 80 anos, a imprensa e o governo quiseram banir os eventos de vale tudo. Geralmente os organizadores tinham que pedir doações para evitar acabar com os eventos. Em vários períodos, eles foram considerados fora-da-lei.
Mas mesmo assim o desporto criou duas lendas, Helio Gracie, que era considerado no meio esportivo do Rio de Janeiro como uma espécie de herói, apesar do seu desporto estar muito longe de fornecer algum tipo de exposição, e seu sobrinho, Carlson, da próxima geração da família. Carlson nunca obteve a mesma notoriedade de Helio porque quando estava no auge da sua forma física as lutas foram banidas do Rio de Janeiro, e ele foi obrigado a realizar a maioria das suas grandes lutas no nordeste do Brasil, o que não estava nem perto de atrair muita atenção.
As raízes do desporto foram plantadas com a virada para o século XX. Mitsuya Maeda, um lutador especialista de judo/jiu-jitsu de 5-foot-4 e 145 pounds (66 kilos) - na época, jiu-jitsu e judo eram termos usados para se referir essencialmente ao mesmo desporto, antes dos dois se separarem e se tornarem desportos com regras diferentes – que rodou o mundo como pro-wrestler e instrutor de artes marciais. Ele participou de lutas reais e coreografadas (fake), como campeão mundial de judo e jiu-jitsu.
Na época, esses termos eram traduzidos essencialmente para um vale tudo sem socos e chutes, hoje em dia seria algo como submission grappling. Não foi muito tempo depois que o jiu-jitsu e o judô se separaram em 2 desportos com regras e pontuações diferentes que os dois desportos acabaram virando uma espécie de luta livre.
Maeda, mais conhecido como Conde Koma, foi um especialista em um estilo de luta livre japonesa e em “catch wrestling”, um tipo de “wrestling submission” vindo da Europa. Ele foi para o Brasil e conheceu Gastão Gracie, que contratou Maeda para ensinar suas técnicas para seu filho mais velho, Carlos. Na época, assim como nos EUA, no começo dos anos 1990, a maioria dos brasileiros acreditava que o boxe era o melhor estilo de luta.
Carlos ensinou aos seus irmãos tudo o que ele havia aprendido. O mais novo, Helio, um adolescente magro, iria assistir e desenvolver novas alavancas. Com cerca de 155 pounds (70 kg), ao contrário de todas as expectativas, Helio se tornaria um astro do mundo das lutas de sua família alguns anos mais tarde. Por volta dos anos de 1930, o judo era mais sobre a arte de usar o poder da alavanca junto com a técnica para derrubar o seu adversário (geralmente maior). E o jiu-jitsu era mais sobre usar técnicas de submission para finalizar o adversário assim que a luta fosse para o chão.
E
m muitas maneiras, Helio era muito parecido com o seu filho Royce, o primeiro astro do UFC. Sua fama veio porque ele era magro e quando olhavam para ele, ninguém podia imaginar que ele era um lutador. Mas por causa do seu conhecimento do que era uma luta de verdade, ele conseguia superar lutadores que não tinham esse conhecimento.
Assim como Royce era parecido com Helio, Rorion era parecido com Carlos. Rorion, um dos fundadores originais do UFC em 1993, queria ver o seu irmão mais novo, o magro Royce, lutando contra lutadores maiores fisicamente, campeões mundiais de outros desportos, e quando ele vencesse, ele poderia expandir os negócios da família ensinando sua técnica.
Nós podemos considerar que o nascimento do moderno MMA foi no dia 16 de Janeiro de 1932 no Rio de Janeiro, organizado por Carlos, que baptizou o seu novo estilo de “Lutas Mistas”, que traduzido para o inglês é algo como “Mixed Fight”. Eles lutaram num ringue de boxe, e os competidores usavam luvas de boxe de 4 onças, fascinante porque foi alguns anos depois que UFC começou nos EUA e que essas luvas se tornaram o padrão.
“Como esse tipo de evento era polémico, as autoridades não gostavam dele” observou Valente, que tem uma pasta cheia de recortes de jornais e matérias cobrindo a luta. “Carlos organizou e promoveu as lutas, que só foram permitidas pois ele havia prometido que doaria os valores arrecadados para ajudar a pagar a viagem dos atletas olímpicos brasileiros para os Jogos Olímpicos de 1932 em Los Angeles. Foi desse jeito que o evento pode acontecer”.
O evento, apresentou a luta entre Omori (um lutador de jiu-jitsu) vs. Crespo (um lutador de boxe) que aconteceu junto com várias outras lutas do mesmo tipo. Helio, que tinha 19 anos, lutou na preliminar contra o boxeador Antonio Portugal. Helio o derrubou imediatamente e o finalizou com uma chave de braço com menos de 1 minuto. Helio saiu como o maior astro deste primeiro evento, um adolescente magro que finalizou um boxeador em alguns segundos.
Helio teve várias grandes lutas entre 1932 e 1938, sempre contra adversários muito maiores vindo de outros desportos e de outros países chamados como legítimos campeões mundiais de wrestling, sempre com grande desvantagem de peso. Ele venceu alguns, e empatou no limite de tempo com outros, mas nunca perdeu.
Provavelmente a mais famosa das suas vitórias veio contra Dudu, chamado de gigante brasileiro em 1935. No primeiro movimento da luta, Helio acertou um chute no rosto, igual ao que Lyoto Machida acertou em Randy Couture e Anderson Silva acertou em Vitor Belfort no começo deste ano. Dudu cuspiu 2 dentes. Os lutadores não tinham permissão para usar os protectores. A luta durou 19 minutos e foi uma das mais violentas da época, e terminou com Gracie fingindo outro chute no rosto, mas acertando no corpo, quebrando 2 costelas de Dudu.
Mesmo quando Helio Gracie era amplamente respeitado e reverenciado, seu desporto não era. Desde o começo, a imprensa sempre quis que ele fosse banido, e alguns anos depois, ele realmente foi.
Helio teve seu segundo momento de glória, que coincidiu com o crescimento do pro wrestling no país. Mahsahiko Kimura, considerado por muitos como o grande nome do judo no Japão (algo como Babe Ruth nos EUA), o campeão mundial que nunca havia perdido no seu desporto desde 1935, tinha sido contratado para ensinar pro wrestling no Hawaii, e se tornou um nome muito conhecido. Um jornal do Brasil trouxe-o junto com outro campeão de judo para iniciar uma organização de pro wrestling em 1951. A organização cresceu e ficou grande no Rio de Janeiro, onde Helio, com 37 anos, ensinava e ainda era reconhecido como um herói por causa das suas lutas nos anos de 1930.
Gracie vs. Kimura aconteceu no estádio do Maracanãzinho e foi um grande evento na época, atraindo políticos, cobertura nacional e cerca de 20.000 fãs.
“Helio foi muito reverenciado” Peligro afirmou. “Ele era verdadeiramente um herói nacional na época. Todos os políticos queriam treinar com ele e o conheciam, presidentes, ministros, ele era uma figura conhecida nacionalmente.”
Kimura, que era maior e mais forte, arremessou o Gracie de um lado para outro durante a maior parte da luta. Finalmente ele encaixou um “hammerlock”, golpe que, por causa desta luta, é chamado de Kimura no MMA. Gracie se recusou a “bater”, mesmo percebendo que seus tendões estavam sendo arrancados.
“Eu pensei que ele ia desistir imediatamente, mas o Helio não bateu na lona” escreveu Kimura em sua autobiografia. “Eu não tinha escolha e continuei a torcer o seu braço. O estádio ficou silencioso. O osso do seu braço estava chegando perto do ponto onde ia se quebrar. Finalmente o som do seu osso quebrando ecoou por todo o estádio. Helio continuava se recusando a desistir. Quando eu tentei torcer o braço uma vez mais, a toalha branca foi jogada”.
Helio se tornou uma lenda por essa derrota.
“O povo pensava que Kimura era um astro mundial do desporto” afirmou peligro. “Ele deixou seu braço ser quebrado e não queria desistir. As pessoas o viam como um homem corajoso”.
A última luta famosa de Helio foi no dia 24 de Maio de 1955, não foi num estádio de futebol lotado com milhares de fãs, mas na ACM (Associação Cristã de Moços), basicamente uma versão da academia americana YMCA. Ele tinha 41 anos e enfrentou provavelmente o seu mais duro aluno, Waldemar Santana. Santana era no mínimo 40 pounds (18 kg) mais pesado e um grande atleta. Santana tinha-se tornado um astro do pro wrestling e Helio odiava o “desporto” pois ele era “falso”. Helio o demitiu da academia e Santana, com raiva, começou a atacar Helio através dos jornais.
Foi uma luta privada em local fechado, com somente alguns amigos e imprensa convidados. No dia da luta, Gracie estava resfriado, e foi aconselhado a adiar a luta por algumas semanas. Mas ele aceitou adiar apenas por 1 ou 2 dias no máximo. Santana nocauteou Gracie com um chute na cabeça numa luta que durou 3 horas e 45 minutos.
Esta derrota foi devastadora para a família. Alunos deixaram a Academia Gracie e foram treinar com Santana. Carlson, que era um amigo muito próximo de Santana, foi escolhido pela família para a revanche. Santana se tornou um astro ainda maior no pro wrestling depois de nocautear Helio. O grande interesse do público na luta fechada habilitou os organizadores a legalizar o vale tudo. Isto levou a uma série de lutas entre Carlson e Santana.
A primeira e mais famosa luta entre os dois aconteceu no dia 03/Ago/1956 no Maracanãzinho diante de 40.000 fãs. Carlson pesou 158 pounds (71,7 kg) e Santana 195 pounds (88,5 kg). A luta terminou com 39 minutos de duração, com o canto de Santana jogando a toalha. Eles lutaram várias outras vezes, com vitórias de Carlson ou empates pelo limite de tempo.
Valente lembra de ter assistido uma luta num estádio de futebol sobre a grama. Eles lutaram pelo gramado inteiro. Havia um buraco de 6 pés de comprimento /largura/profundidade ao redor do campo. Os dois entraram no buraco. Eles continuaram a lutar até que os árbitros recolocaram os dois para fora. Eles recomeçaram a lutar novamente.
“Se não fosse por mim, depois de vencer o Waldemar Santana, os Gracies estariam vendendo banana na feira”. Afirmou Carlson Gracie antes da sua morte durante uma entrevista com a Full Contact Fighter.
Carlson se tornou um astro bem conhecido no Brasil, apesar de nunca ter sido considerado um herói nacional como Helio foi. Provavelmente o pico de popularidade do desporto aconteceu entre os anos de 1960-62, quando Carlson e Helio apresentaram um evento chamado “Heróis do Ringue” que mostrava lutas de vale tudo ao vivo. O boom do desporto acabou rapidamente depois de uma luta entre Joel Alberto Barreto contra Vinagre onde foi mostrado um close-up de uma chave de braço que terminou com uma fractura exposta de Vinagre na televisão.
O desporto foi novamente banido no Rio de Janeiro e não voltaria antes de 1975 quando o Kung-fu e o Karaté se tornaram populares através dos filmes de Bruce Lee. De tempos em tempos aconteciam alguns eventos, envolvendo lutadores com rivalidades históricas, como entre os lutadores de jiu-jitsu contra os lutadores de luta livre. Em 1993, quando Royce Gracie venceu o 1º Torneio do UFC, a imprensa brasileira nem cobriu o evento. Com 63 anos de conhecimento do que acontece quando você coloca um lutador de BJJ contra um adversário que não conhece a arte, os brasileiros já deveriam esperar pelo resultado final do torneio.
Em 1997, quando a rivalidade entre o BJJ vs. Luta Livre alcançou o pico, um evento aconteceu num pequeno ginásio com a luta entre Renzo Gracie vs. Eugenio Tadeu. Quando a luta estava aos 14:45 minutos, a luzes se apagaram, uma confusão generalizada se instalou, tiros de revólver foram ouvidos. Na época, lutadores de BJJ tinham uma péssima reputação porque estavam sempre aparecendo na televisão/jornais em casos de brigas de rua. Uma vez mais o desporto foi banido do Rio de Janeiro. Mas desta vez, as forças contrárias ao vale tudo conseguiram surpreendentemente um aliado de peso – Helio Gracie.
Helio, então com 83 anos, deu declarações afirmando que estava se aposentando. Ele também tinha perdido o interesse no UFC depois que adicionaram mais regras e mais importante, adicionaram os juízes – fato que ele foi contra até a sua morte – e os limites de tempo. Ainda, de acordo com sua opinião, não havia mais necessidade dessas lutas. Foi por esta razão que em 1998, quando o UFC veio para o Brasil pela primeira vez com um evento estrelado por Frank Shamrock vs. John Lober e Vitor Belfort vs. Wanderlei Silva, ele aconteceu em São Paulo e não no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos tem acontecido um enorme ressurgimento do interesse. O maior motivo é que o UFC começou a ser televisionado, combinado com o sucesso dos lutadores brasileiros, Belfort principalmente.
“Vitor tem estado em evidência no Brasil há muito tempo” afirmou Peligro. “Ele lutou no UFC Brasil e nocauteou Wanderlei. Ele tem sido um astro. Ele casou-se com uma celebridade (uma famosa actriz/modelo brasileira). Ele é muito popular como lutador, mas ele também é muito carismático e tem boa aparência. Anderson Silva está no mundo das lutas quase pelo mesmo tempo e apesar de ter uma carreira de muito sucesso, nunca teve a fama ou os espaços que Vitor. Quando Vitor lutava no UFC no começo, ele aparecia em todas as mídias no Brasil. Ele estava nos maiores programas de entrevistas, ele se tornou muito famoso.”
A luta entre Anderson Silva vs. Belfort em Fevereiro foi um grande sucesso no Brasil, com os produtores brasileiros chamando a luta de “A Luta do Século”, trazendo para esse evento do UFC um interesse que nunca havia sido alcançado antes. Mas mesmo no final do ano passado, o Brasil ainda não estava nem nos mais remotos planos do UFC, considerado como economicamente inviável realizar um evento aqui. Uma vez que o Brasil foi escolhido para sediar os jogos Olímpicos de 2016, tudo mudou e o evento foi agendado.
Valente era a primeira escolha para arbitro no primeiro evento do UFC no Brasil em 1993, mas recusou o convite pois ele era o Secretário da Saúde do Rio de Janeiro e os seus superiores consideraram que não seria um evento apropriado para ele participar. Depois de acompanhar o desporto por 7 décadas, ele observa toda a publicidade há uma semana do evento e vê que nada é como era antes.
“Muito marketing, TV, jornais, em todos os lugares” afirmou ele.
Mas como comparar todo esse marketing com os eventos dos anos 50 em estádios de futebol?
“É muito difícil de comparar, por causa da tecnologia, rádio, TV, jornais” afirmou ele. “A mídia é completamente diferente. Mas na época, nos dias do Mestre Helio, também era algo muito grande”.
Assim que o desporto nasceu, assim como a maioria dos desportos modernos, houve uma mistura de memórias que foi transmitida através das gerações. A ideia de misturar estilos de luta pode realmente ser vista num desporto chamado Pankration nos primeiros Jogos Olímpicos na Grécia, há cerca de 2.800 anos atrás. Também houve algumas lutas desse tipo no final do século XIX no Japão. Mas o UFC foi uma marca criada por Rorion Gracie, filho de Helio Gracie, uma lenda do desporto no Brasil, com suas lutas de “vale tudo” datadas da década de 30. O termo “vale tudo” traduzido para o inglês, seria algo como “anything goes”.
Apesar da vinda para o Rio de Janeiro ter sido uma decisão de negócios mal calculada, o presidente do UFC Dana White agora procura remediar o seu erro com a descoberta de um imenso potencial pois ele claramente subestimou o potencial do UFC no Brasil.
“Este evento no Rio, na cidade que será palco dos maiores eventos desportivos do mundo, como s Jogos Olímpicos, a Campeonato do Mundo do futebol e o UFC” afirmou Dana. “Nós planeávamos vender 14.000 ingressos e vendemos todos. No primeiro dia, recebemos 350.000 telefonemas de pessoas que queriam comprar ingressos. Nós poderíamos ter feito o evento num estádio de futebol. Nós tínhamos acabado de sair de Toronto (onde eles lotaram o Roger Centre com 56.000 fãs), então ficamos com medo de arriscar muito. Errámos. Poderíamos fazer um evento muito maior”.
“O facto é que no Rio, quando você tem um evento, como um show de rock, eles vendem tantos ingressos que chega a ser ridículo” afirmou Kid Peligro, um historiador do jiu-jitsu. “Qualquer evento transforma-se num acontecimento. É como se você tivesse que estar lá, uma coisa que não se pode perder. Todo mundo quer estar lá. Com este evento, o que está acontecendo é uma combinação da popularidade do desporto com um grande evento. O Brasil está bombando.”
Nada parecido com cerca de 80 anos atrás, no que podemos chamar de infância do desporto.
“Em 1930 no Brasil, era como “A Lei do Mais Forte” (The Law of the Strongest Man)” afirmou Pedro Valente, um faixa vermelha de 9º grau aluno de Helio Gracie e historiador do vale tudo. “Eles usariam o jiu-jitsu para ensinar que nem sempre o homem mais forte vence uma luta”.
Essas primeiras lutas não aconteciam com música alta ou câmaras de TV. Não havia recompensas em dinheiro em jogo. Excepto nos primeiros anos da década de 1930 e de novo em 1950 e 1962, as lutas geralmente aconteciam em lugares pequenos e as vezes em academias abandonadas. As grandes lutas aconteciam em segredo para evitar que a polícia descobrisse e prendesse todo mundo.
Durante o pico de popularidade, as lutas aconteciam algumas vezes em grandes estádios de futebol, algumas vezes sem ringues (o cage ainda não existia). Outras vezes, as lutas aconteciam em quadras de basquete onde os lutadores que eram derrubados caíam no chão duro de madeira.
Durante os últimos 80 anos, a imprensa e o governo quiseram banir os eventos de vale tudo. Geralmente os organizadores tinham que pedir doações para evitar acabar com os eventos. Em vários períodos, eles foram considerados fora-da-lei.
Mas mesmo assim o desporto criou duas lendas, Helio Gracie, que era considerado no meio esportivo do Rio de Janeiro como uma espécie de herói, apesar do seu desporto estar muito longe de fornecer algum tipo de exposição, e seu sobrinho, Carlson, da próxima geração da família. Carlson nunca obteve a mesma notoriedade de Helio porque quando estava no auge da sua forma física as lutas foram banidas do Rio de Janeiro, e ele foi obrigado a realizar a maioria das suas grandes lutas no nordeste do Brasil, o que não estava nem perto de atrair muita atenção.
As raízes do desporto foram plantadas com a virada para o século XX. Mitsuya Maeda, um lutador especialista de judo/jiu-jitsu de 5-foot-4 e 145 pounds (66 kilos) - na época, jiu-jitsu e judo eram termos usados para se referir essencialmente ao mesmo desporto, antes dos dois se separarem e se tornarem desportos com regras diferentes – que rodou o mundo como pro-wrestler e instrutor de artes marciais. Ele participou de lutas reais e coreografadas (fake), como campeão mundial de judo e jiu-jitsu.
Na época, esses termos eram traduzidos essencialmente para um vale tudo sem socos e chutes, hoje em dia seria algo como submission grappling. Não foi muito tempo depois que o jiu-jitsu e o judô se separaram em 2 desportos com regras e pontuações diferentes que os dois desportos acabaram virando uma espécie de luta livre.
Maeda, mais conhecido como Conde Koma, foi um especialista em um estilo de luta livre japonesa e em “catch wrestling”, um tipo de “wrestling submission” vindo da Europa. Ele foi para o Brasil e conheceu Gastão Gracie, que contratou Maeda para ensinar suas técnicas para seu filho mais velho, Carlos. Na época, assim como nos EUA, no começo dos anos 1990, a maioria dos brasileiros acreditava que o boxe era o melhor estilo de luta.
Carlos ensinou aos seus irmãos tudo o que ele havia aprendido. O mais novo, Helio, um adolescente magro, iria assistir e desenvolver novas alavancas. Com cerca de 155 pounds (70 kg), ao contrário de todas as expectativas, Helio se tornaria um astro do mundo das lutas de sua família alguns anos mais tarde. Por volta dos anos de 1930, o judo era mais sobre a arte de usar o poder da alavanca junto com a técnica para derrubar o seu adversário (geralmente maior). E o jiu-jitsu era mais sobre usar técnicas de submission para finalizar o adversário assim que a luta fosse para o chão.
E
Assim como Royce era parecido com Helio, Rorion era parecido com Carlos. Rorion, um dos fundadores originais do UFC em 1993, queria ver o seu irmão mais novo, o magro Royce, lutando contra lutadores maiores fisicamente, campeões mundiais de outros desportos, e quando ele vencesse, ele poderia expandir os negócios da família ensinando sua técnica.
Nós podemos considerar que o nascimento do moderno MMA foi no dia 16 de Janeiro de 1932 no Rio de Janeiro, organizado por Carlos, que baptizou o seu novo estilo de “Lutas Mistas”, que traduzido para o inglês é algo como “Mixed Fight”. Eles lutaram num ringue de boxe, e os competidores usavam luvas de boxe de 4 onças, fascinante porque foi alguns anos depois que UFC começou nos EUA e que essas luvas se tornaram o padrão.
“Como esse tipo de evento era polémico, as autoridades não gostavam dele” observou Valente, que tem uma pasta cheia de recortes de jornais e matérias cobrindo a luta. “Carlos organizou e promoveu as lutas, que só foram permitidas pois ele havia prometido que doaria os valores arrecadados para ajudar a pagar a viagem dos atletas olímpicos brasileiros para os Jogos Olímpicos de 1932 em Los Angeles. Foi desse jeito que o evento pode acontecer”.
O evento, apresentou a luta entre Omori (um lutador de jiu-jitsu) vs. Crespo (um lutador de boxe) que aconteceu junto com várias outras lutas do mesmo tipo. Helio, que tinha 19 anos, lutou na preliminar contra o boxeador Antonio Portugal. Helio o derrubou imediatamente e o finalizou com uma chave de braço com menos de 1 minuto. Helio saiu como o maior astro deste primeiro evento, um adolescente magro que finalizou um boxeador em alguns segundos.
Helio teve várias grandes lutas entre 1932 e 1938, sempre contra adversários muito maiores vindo de outros desportos e de outros países chamados como legítimos campeões mundiais de wrestling, sempre com grande desvantagem de peso. Ele venceu alguns, e empatou no limite de tempo com outros, mas nunca perdeu.
Provavelmente a mais famosa das suas vitórias veio contra Dudu, chamado de gigante brasileiro em 1935. No primeiro movimento da luta, Helio acertou um chute no rosto, igual ao que Lyoto Machida acertou em Randy Couture e Anderson Silva acertou em Vitor Belfort no começo deste ano. Dudu cuspiu 2 dentes. Os lutadores não tinham permissão para usar os protectores. A luta durou 19 minutos e foi uma das mais violentas da época, e terminou com Gracie fingindo outro chute no rosto, mas acertando no corpo, quebrando 2 costelas de Dudu.
Mesmo quando Helio Gracie era amplamente respeitado e reverenciado, seu desporto não era. Desde o começo, a imprensa sempre quis que ele fosse banido, e alguns anos depois, ele realmente foi.
Helio teve seu segundo momento de glória, que coincidiu com o crescimento do pro wrestling no país. Mahsahiko Kimura, considerado por muitos como o grande nome do judo no Japão (algo como Babe Ruth nos EUA), o campeão mundial que nunca havia perdido no seu desporto desde 1935, tinha sido contratado para ensinar pro wrestling no Hawaii, e se tornou um nome muito conhecido. Um jornal do Brasil trouxe-o junto com outro campeão de judo para iniciar uma organização de pro wrestling em 1951. A organização cresceu e ficou grande no Rio de Janeiro, onde Helio, com 37 anos, ensinava e ainda era reconhecido como um herói por causa das suas lutas nos anos de 1930.
Gracie vs. Kimura aconteceu no estádio do Maracanãzinho e foi um grande evento na época, atraindo políticos, cobertura nacional e cerca de 20.000 fãs.
“Helio foi muito reverenciado” Peligro afirmou. “Ele era verdadeiramente um herói nacional na época. Todos os políticos queriam treinar com ele e o conheciam, presidentes, ministros, ele era uma figura conhecida nacionalmente.”
Kimura, que era maior e mais forte, arremessou o Gracie de um lado para outro durante a maior parte da luta. Finalmente ele encaixou um “hammerlock”, golpe que, por causa desta luta, é chamado de Kimura no MMA. Gracie se recusou a “bater”, mesmo percebendo que seus tendões estavam sendo arrancados.
“Eu pensei que ele ia desistir imediatamente, mas o Helio não bateu na lona” escreveu Kimura em sua autobiografia. “Eu não tinha escolha e continuei a torcer o seu braço. O estádio ficou silencioso. O osso do seu braço estava chegando perto do ponto onde ia se quebrar. Finalmente o som do seu osso quebrando ecoou por todo o estádio. Helio continuava se recusando a desistir. Quando eu tentei torcer o braço uma vez mais, a toalha branca foi jogada”.
Helio se tornou uma lenda por essa derrota.
“O povo pensava que Kimura era um astro mundial do desporto” afirmou peligro. “Ele deixou seu braço ser quebrado e não queria desistir. As pessoas o viam como um homem corajoso”.
A última luta famosa de Helio foi no dia 24 de Maio de 1955, não foi num estádio de futebol lotado com milhares de fãs, mas na ACM (Associação Cristã de Moços), basicamente uma versão da academia americana YMCA. Ele tinha 41 anos e enfrentou provavelmente o seu mais duro aluno, Waldemar Santana. Santana era no mínimo 40 pounds (18 kg) mais pesado e um grande atleta. Santana tinha-se tornado um astro do pro wrestling e Helio odiava o “desporto” pois ele era “falso”. Helio o demitiu da academia e Santana, com raiva, começou a atacar Helio através dos jornais.
Foi uma luta privada em local fechado, com somente alguns amigos e imprensa convidados. No dia da luta, Gracie estava resfriado, e foi aconselhado a adiar a luta por algumas semanas. Mas ele aceitou adiar apenas por 1 ou 2 dias no máximo. Santana nocauteou Gracie com um chute na cabeça numa luta que durou 3 horas e 45 minutos.
Esta derrota foi devastadora para a família. Alunos deixaram a Academia Gracie e foram treinar com Santana. Carlson, que era um amigo muito próximo de Santana, foi escolhido pela família para a revanche. Santana se tornou um astro ainda maior no pro wrestling depois de nocautear Helio. O grande interesse do público na luta fechada habilitou os organizadores a legalizar o vale tudo. Isto levou a uma série de lutas entre Carlson e Santana.
A primeira e mais famosa luta entre os dois aconteceu no dia 03/Ago/1956 no Maracanãzinho diante de 40.000 fãs. Carlson pesou 158 pounds (71,7 kg) e Santana 195 pounds (88,5 kg). A luta terminou com 39 minutos de duração, com o canto de Santana jogando a toalha. Eles lutaram várias outras vezes, com vitórias de Carlson ou empates pelo limite de tempo.
Valente lembra de ter assistido uma luta num estádio de futebol sobre a grama. Eles lutaram pelo gramado inteiro. Havia um buraco de 6 pés de comprimento /largura/profundidade ao redor do campo. Os dois entraram no buraco. Eles continuaram a lutar até que os árbitros recolocaram os dois para fora. Eles recomeçaram a lutar novamente.
“Se não fosse por mim, depois de vencer o Waldemar Santana, os Gracies estariam vendendo banana na feira”. Afirmou Carlson Gracie antes da sua morte durante uma entrevista com a Full Contact Fighter.
Carlson se tornou um astro bem conhecido no Brasil, apesar de nunca ter sido considerado um herói nacional como Helio foi. Provavelmente o pico de popularidade do desporto aconteceu entre os anos de 1960-62, quando Carlson e Helio apresentaram um evento chamado “Heróis do Ringue” que mostrava lutas de vale tudo ao vivo. O boom do desporto acabou rapidamente depois de uma luta entre Joel Alberto Barreto contra Vinagre onde foi mostrado um close-up de uma chave de braço que terminou com uma fractura exposta de Vinagre na televisão.
Em 1997, quando a rivalidade entre o BJJ vs. Luta Livre alcançou o pico, um evento aconteceu num pequeno ginásio com a luta entre Renzo Gracie vs. Eugenio Tadeu. Quando a luta estava aos 14:45 minutos, a luzes se apagaram, uma confusão generalizada se instalou, tiros de revólver foram ouvidos. Na época, lutadores de BJJ tinham uma péssima reputação porque estavam sempre aparecendo na televisão/jornais em casos de brigas de rua. Uma vez mais o desporto foi banido do Rio de Janeiro. Mas desta vez, as forças contrárias ao vale tudo conseguiram surpreendentemente um aliado de peso – Helio Gracie.
Helio, então com 83 anos, deu declarações afirmando que estava se aposentando. Ele também tinha perdido o interesse no UFC depois que adicionaram mais regras e mais importante, adicionaram os juízes – fato que ele foi contra até a sua morte – e os limites de tempo. Ainda, de acordo com sua opinião, não havia mais necessidade dessas lutas. Foi por esta razão que em 1998, quando o UFC veio para o Brasil pela primeira vez com um evento estrelado por Frank Shamrock vs. John Lober e Vitor Belfort vs. Wanderlei Silva, ele aconteceu em São Paulo e não no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos tem acontecido um enorme ressurgimento do interesse. O maior motivo é que o UFC começou a ser televisionado, combinado com o sucesso dos lutadores brasileiros, Belfort principalmente.
“Vitor tem estado em evidência no Brasil há muito tempo” afirmou Peligro. “Ele lutou no UFC Brasil e nocauteou Wanderlei. Ele tem sido um astro. Ele casou-se com uma celebridade (uma famosa actriz/modelo brasileira). Ele é muito popular como lutador, mas ele também é muito carismático e tem boa aparência. Anderson Silva está no mundo das lutas quase pelo mesmo tempo e apesar de ter uma carreira de muito sucesso, nunca teve a fama ou os espaços que Vitor. Quando Vitor lutava no UFC no começo, ele aparecia em todas as mídias no Brasil. Ele estava nos maiores programas de entrevistas, ele se tornou muito famoso.”
A luta entre Anderson Silva vs. Belfort em Fevereiro foi um grande sucesso no Brasil, com os produtores brasileiros chamando a luta de “A Luta do Século”, trazendo para esse evento do UFC um interesse que nunca havia sido alcançado antes. Mas mesmo no final do ano passado, o Brasil ainda não estava nem nos mais remotos planos do UFC, considerado como economicamente inviável realizar um evento aqui. Uma vez que o Brasil foi escolhido para sediar os jogos Olímpicos de 2016, tudo mudou e o evento foi agendado.
Valente era a primeira escolha para arbitro no primeiro evento do UFC no Brasil em 1993, mas recusou o convite pois ele era o Secretário da Saúde do Rio de Janeiro e os seus superiores consideraram que não seria um evento apropriado para ele participar. Depois de acompanhar o desporto por 7 décadas, ele observa toda a publicidade há uma semana do evento e vê que nada é como era antes.
“Muito marketing, TV, jornais, em todos os lugares” afirmou ele.
Mas como comparar todo esse marketing com os eventos dos anos 50 em estádios de futebol?
“É muito difícil de comparar, por causa da tecnologia, rádio, TV, jornais” afirmou ele. “A mídia é completamente diferente. Mas na época, nos dias do Mestre Helio, também era algo muito grande”.
Original de Dave Meltzer em Yahoo! Sports com tradução de MarceloBreve em PVT