Slobber Knocker #16: A nossa telenovela!
Olá a todos e sejam bem-vindos a mais um Slobber Knocker que
já atinge um número que não imaginei imediatamente que pudesse vir a alcançar.
Mas cá estou eu para a décima sexta edição onde faço uma pequena reflexão sobre
este nosso desporto teatral favorito.....
Muito gostamos de nós de assistir a um bom combate repleto
de bom wrestling técnico assim como spotfests que causem emoção. Normalmente
existe sempre uma história a ser contada em ringue durante a batalha mas não é
tudo, precisamos de uma boa história fora dos ringues que dê um propósito aos
combates e que lhes presenteie de bandeja uma necessária carga psicológica para
tornar o combate ainda mais forte.
É certo que ultimamente muitas rivalidades por títulos são
construídas à base do “Ganhei um combate de #1 Contender ou ganhei-te a ti que
és Campeão logo sou o candidato ao título e muito possivelmente interfira nos
teus combates” e não parece haver grande força depositada em conflitos pessoais
entre as duas personagens em disputa. É bom mas às vezes também queremos as
coisas mais apimentadas e por vezes a equipa criativa e os lutadores que se
sujeitam a tal gostam de se rodear de enfeites melosos e dar histórias
embaraçosas. E nós gostamos – a história com Punk/Bryan/AJ actualmente que não
acho sequer melosa, tenho adorado e para mim é das melhores recentemente.
Casamentos que depois dão para o torto, segredos que rompem
amigos, romances proibidos ou divididos, mudanças de mentalidade para mais
maléfica e cobarde, insultos levados pessoalmente. Tudo em frente a um público
para que depois resolvam os seus problemas entre as cordas através de ataques e
movimentos que requerem a ajuda do adversário para a sua execução. Afinal que é
que estamos a ver mesmo? A nossa “telenovela”, aquela que gostamos tanto e que
continuamos a ver mesmo quando anda mais em baixo. É praticamente uma novela,
mas é a nossa novela, é diferente, a sua abordagem é única e entretém muito
mais que um conflito entre famílias ricas e pobres em que morre sempre alguém
como mistério – e com essa breve premissa talvez já consiga contrato para escrever
para o horário nobre da TVI. Não se clarifica precisamente como apenas um
desporto porque a “competitividade” que vemos é escrita, também não é
propriamente apenas um seriado de histórias porque culminam em competições
físicas. É aquela categoria própria a que muito chamam de “Sports
Entertainment” e que tanto adoramos ver. Analisemos esta nossa adoração por
esta “novela de acção” como o próprio Vinnie Mac a chegou a denominar.
O início de tudo
Ora porque raio comecei a ver isto? Admito, juntei-me à
moda. Andava tudo louco, na escola era ver os miúdos todos a falar disso, todos
eram o Stone Cold – porque o Stunner é relativamente fácil de executar – as
brigas infantis culminavam em bocas de superioridade que passavam pelo gesto de
“You can’t see me” ou o sinal pélvico em “X” dos DX. Só tinha uma TV em casa e
não me podia dar ao luxo de pegar no comando à hora que me apetecesse e clamar
aquela TV como minha. Tinha que procurar buracos nos horários em que a TV
estivesse “aberta” para mim. Abençoado o dia em que consegui um horário para
acompanhar pelo menos o RAW assiduamente – mesmo com as suas semanas de atraso.
Estava encantado. E então chegaram aquelas férias. Aquelas férias! Com a agora
empobrecida SIC Radical na altura a reservar dois blocos matinais – Quintas e
Sextas às 10 da manhã e Quartas para PPV’s – para poder acompanhar o Raw e o
Smackdown. Era uma alegria, já me podia integrar nas conversas da escola que
viriam no seguinte ano lectivo, já tinha desenvolvido o meu gosto próprio pela
modalidade.
Foi mágico mas passou. Os direitos de transmissão da
programação da WWE começaram a ficar mais aldrabados. Até que a minha
adoradíssima TVI – que já a menciono pela segunda vez, nunca esperei fazer isso
– decidiu dar cabo do que restava do Smackdown. Passa o resto para canais pagos
e já não havia grande interesse. E os putos todos já eram crescidos demais para
andar a tentar RKO’s e FU’s uns nos outros. O interesse desvaneceu, a moda
passou. Até eu deixei de ver. Até que me perguntei “Tenho um perfeito acesso à
Internet porque é que não continuo a ver?”. Isto já uns anos depois quando me
lembrei que a minha razão de ver não foi simplesmente por moda – foi por onde
começou mas não porque se manteve.
Agradeçam-se às candongas e trafulhices internautas que me
permitem acompanhar o produto com mais gosto e noção que antes – já não sou o
mark da altura, algum dia eu torceria tanto contra o Edge como naquela altura
hoje em dia…
“Ainda vês isso?”
O inevitável. Na altura da moda, todos os pais dos miúdos se
lamentavam e questionavam o que raio viam naqueles gajos “a fazer que fazem”,
isto citando palavras do meu pai. Mas lá lhe sustentavam o vício. Quando passou
a febre e os que andam todos tolos a ver isso são marmanjos já mais crescidos,
aí talvez fiquem mais cépticos ainda.
Ouço assim umas bocas mais humorísticas para ser levadas a
gozo como a minha irmã mais velha a questionar-me “que palhaçada é essa?” ou a
observar como aquilo se parecia com uma novela – aquelas montagens a recontar
uma história ao início de cada Raw. Respondo sempre com um riso porque sei que
não é de levar a sério. Não é por isso que deixo de ouvir uns argumentos
falaciosos.
O bom e velho “É tudo a fingir!” A minha reacção pode ser
expressa através da imagem apresentada abaixo.
Isso, por exemplo é uma das armas potentíssimas que o meu
pai utiliza para depreciar o wrestling. Como se eu não estivesse farto de saber
como aquilo funciona e como se fosse a “realidade” daquilo que me atraísse –
por exemplo, eu pessoalmente não aprecio as MMA, por muito bom que admito que
seja não me atrai e até me faz falta as abordagens teatrais que rodeiam a outra
modalidade.
Mas falando do meu pai, nesse caso eu simplesmente devia
intrometer-me numa das suas sessões de cinema caseiro em que satisfaz o seu
requintadíssimo gosto por filmes de acção baratos que se limitam apenas a
disparar testosterona desde o cartaz até àquelas explosões que estão lá porque
sim. Devia acompanhar também um desses e dizer-lhe que aquilo é tudo falso.
Acaba por ir dar ao mesmo. Mas lá está, enquanto que o senhor meu pai aprecia
ver o Van Damme – actor ao qual não aponto nada contra os seus dotes de artes
marciais mas que não posso dizer o mesmo quanto aos seus dotes de representação
– aos pontapés e aos tiros a uns gajos em histórias que são sempre iguais, eu
cá prefiro ver um outro Van Dam aos pontapés e às cambalhotas a outros gajos em
histórias que às vezes até variam um pouquinho mais. Apenas um exemplo.
Mas deixando o meu pai para trás agora, outro exemplo é
através de conversas internautas com outras pessoas, conversas não-pessoais que
têm vindo tanto a substituir as conversas cara-a-cara como tem vindo a
desanuviar problemas de distância. Seja a dar a conhecer ou em continuação de
amizade antiga, as questões sobre os nossos gostos e o que é que ocupa o nosso
tempo são sempre inevitáveis. Nas quais o meu gosto por wrestling acaba por ser
confessado. Mas já nem encaro como confissão, pode ser muito bem abraçado com
orgulho, algumas das vezes vai-se a saber e muitas dessas pessoas para quem
falo também viam quando era moda e têm isso como “old shame”. Mau para eles,
contente fico eu pelo meu gosto pela coisa ser muito mais genuíno.
Se alguém não perceber o que vemos nisso? Temos pena. Também
tenho suores frios de medo e asco com a programação da MTV – salve-se o resgate
do Beavis & Butthead – mas essa aí ainda dá um lucro e audiência mais
tenebroso. E falei da MTV porque não queria falar da TVI uma terceira vez.
Mas também não abusem!
Voltando ao início. Aquelas histórias todas novelescas das
quais falei ao início. Gostamos de ver umas dessas. Existem situações que
talvez sejam embaraçosas para alguns mas que para outros até é engraçado. Faz
parte do produto. Mas às vezes abusam e dão-nos algumas que nos fazem levar a
mão à testa. Seja por ser sem ponta de sentido e com um factor de
imprevisibilidade duvidoso – então Vince Russo, ‘tás bom? – ou porque exageram
na lamechice. Outras vezes só causam desconforto e até nos enojam – que erga o
braço quem gostou de ver o Sr. McMahon a gozar com uma séria cirurgia de Jim
Ross. Tudo de mãos no teclado? Não pode.
Lá existem algumas situações em que fico embaraçado e até
tiro um pouco de som às colunas para que não se perceba o que se está ali a
passar. Também tiro um pouco o som quando chega a Vickie mas isso é por razões
de saúde e bem-estar porque ainda aprecio o seu trabalho e acho engraçado o seu
magnetismo natural para heat. E em combates da Kelly Kelly também para que ela
não se ouça tanto, não vá alguém pensar que eu estava na minha “hora feliz” e
andava a ver coisas moralmente incorrectas.
Mas o caso mais recente em que me lembro de ficar a pensar
“Que raio estou eu a ver?” ainda decorre e é na nossa tão polarizadora TNA. A
história actual com AJ Styles, Dixie Carter, Christopher Daniels e aquela
sujeita tem a receita completa: lamechice dolorosa, voltas e mais voltas que
causam riso e bem querem que a lógica se dane e má representação que poderia
emparelhar aquela rapariguinha de bom aspecto com o tal Van Damme, já que o
mencionei anteriormente. Até entretém e coloca-nos a ver aquilo para sabermos o
que vem a seguir. Mas mesmo assim… “Deus Nosso Senhor Jesus Cristo!” é algo que
me faz exclamar sem que eu seja grande crente ou entendedor.
E há mais exemplos que saltam sempre à mente. Histórias a envolver
necrofilia são um pouco mais dispensáveis que o que se esperava, como reparámos
na história da nossa adorada Katie Vick. “I screwed your brains out” é um
exemplo de uma frase que não deveria ter saído da boca de Triple H ou de
ninguém. Apesar dos seus momentos, o Snitsky a pontapear bebés de plástico para
o público também não é assim tão genial. Gostei da feud entre Vince McMahon e
Shawn Michaels mas não me parece que Deus seja um parceiro de Tag Team de
confiança. E nem sei o que é que antecedeu, mas qualquer história que culmine
com dois homens a lutar por um frasco de viagra ao dependuro de um poste tem
que ser qualquer coisa acima das cinco estrelas.
Alguns exemplos – e verifiquem-se mais em episódios do “Are You Serious?” no YouTube - , mas haverá sempre disto e nós até nem nos importamos. Os mais rígidos também tiram proveito de tal nem que seja para o gozo. Mas não deixa de ser uma das nossas fontes de entretenimento favoritas e é com gosto e um sorriso que acompanhamos as nossas companhias favoritas, tanto nos bons momentos, como nos maus como nos escandalosamente horríveis. E continuaremos sempre a ver esta nossa “telenovela” que não devia parecer mal só por não soar muito bem, é uma novela diferente, mais à nossa maneira.
E agora fica tudo para vós: O que voz fez ver wrestling e
manter o interesse? Reconhecem apelo na sua abordagem novelesca? E momentos que
quase vos fizeram sentir alguma vergonha de serem fãs de wrestling? Tudo isso e
muito mais incluindo a relevância e sentido deste artigo, está aberto para a
vossa opinião nos comentários.
Despeço-me com novos cumprimentos e voltamos a
“encontrar-nos” para a semana.
Chris JRM