Slobber Knocker #22: "Qualquer um pode ser wrestler..."
Habituais cumprimentos a todos assim que regresso para mais
um Slobber Knocker. Para esta semana escolhi um tema reflectivo que pode
suscitar alguma conversa. Ou não. Não se preocupem quanto ao título se ao
início parecer algo polémico, é suposto ser irónico. Mas em que é que consiste
esse título?
Muito simples, com isto vou-me focar em três aspectos em que
essa afirmação possa encontrar um rumo. O que alguma gente “de fora” pode
pensar sobre o wrestling e todo o fingimento que o rodeia; O aparente
“esquecimento” de que alguns de nós não estão tão treinados como os atletas que
vemos na TV; Alguns espertos que têm a mania que são wrestlers. Como é que vai
correr isto? Veremos então:
“É tudo falso”
Seja um pai que prefere ver o futebol, um amigo que goza por
“ainda veres isso”, ou outra pessoa qualquer. Todos vêm dar a informação de
última hora de que aquilo é escrito. Para eles não passam de bailarinas a
seguir uma coreografia. Não se aleijam e são só uns gajos cheios de esteróides
que preferem andar a rebolar em cuecas com outro homem, em vez de trabalhar na
vida. E qualquer spot extremo é falso e és parvinho por acreditar que é real e
o único prejuízo que lá se sente é a quantidade de tinta que às vezes gastavam
para fazer de sangue.
Talvez seja um pouco exagerado e as pessoas não elevem tanto
a fasquia da ignorância, mas vocês percebem a ideia. Muitos não têm consciência
de um oitavo do que os wrestlers passam para nos entreter e do treino exaustivo
que atravessaram para chegarem ao patamar sequer de jobber squashado em 15
segundos. Se calhar acham que nem envolve dor – durante o próprio combate a
energia e a adrenalina lá tratam de anestesiar, mas no dia seguinte é que elas
se tecem. É aí que entra em vigor essa frase que usei para o título. Assim,
qualquer um pode ser wrestler. Digamos que a “personagem” imaginária que disse
todas as coisas que eu mencionei no parágrafo acima ainda está a falar disso:
“Também eu posso fazer de conta que dou murros ou patadas. Levá-los ainda mais
fácil ainda. Podes atirar-me ao chão também, mas com jeitinho, não porque o
chão do ringue dói que é mole, mas porque ontem andei a mudar a decoração da
sala e hoje ando um bocadinho à rasca das costas. Podes ganhar o combate que eu
não me importo, sou pago à mesma e como isto é tudo falso, as vitórias e
títulos são dadas por dar e não há qualquer questão de merecimento. Depois do
combate podes atingir-me com uma cadeira, mas devagarinho, não por me aleijar
mas como aquilo é esferovite ainda parte e assim lá se vai a ilusão…”
Pronto, sei que estou a exagerar um pouco outra vez, mas
acreditem que escrever em hipérbole é divertido e eficaz. Há casos de pessoas
completamente fora deste espectro cujos pensamentos até nem andam assim tão
longe. E a sério que é assim? Qualquer um pode ser wrestler? É mesmo só isso
que eles têm que fazer? Talvez precisem mesmo de passar umas horinhas num
ringue…
Uma curiosidade: Se tiverem uma mãe que também ache que é
tudo uma fantochada de “faz que faz”, experimentem dizer-lhes que querem ser
wrestlers e que querem começar a treinar já – quanto mais jovens forem melhor –
e verifiquem se, de repente, não se torna mais perigoso que ser atirado aos
leões numa arena Romana…
“Não tentem isto em casa”
Neste caso é um bloqueio mental de alguns miúdos e até de
alguns graúdos. Tanto na situação de ainda serem mantidos na ilusão de que o
desporto é real e sem guiões, como na de já terem consciência de como funciona e
terem respeito pelo trabalho árduo dos atletas. Ainda há aquela tendência às
vezes a tentar imitar as manobras que eles fazem, na sala ou na cama.
Assim realmente dá a entender que qualquer um pode ser
wrestler também, basta ter duas pessoas e um espaço em que dê pelo menos para
dar 3 passos em todas as direcções. De facto existe normalmente uma consciência
de que o que estão a fazer é a versão “amadora”, aquela que é feita com cuidado
para não arranjar um trinta-e-um. Mas se for preciso acidentes, eles acontecem
na mesma. Um RKO encima de uma cama, não parece nada de muito difícil. Um
Chokeslam para o sofá da sala, desde que não seja muito alto para não dar cabo
do candeeiro também não parece muito nocivo. Um Stunner num areal amortece a
queda de traseiro. São alguns moves “fáceis” que dá para se tentar fazer sem
fracturar um osso ou deslocar o pescoço.
Não se lembrem agora é de tentar um Moonsault do sofá para o
chão, um Tombstone Piledriver na praia ou um Shooting Star Press da prancha da
piscina municipal. Nalguns casos até podem ser suficientemente atléticos para o
tentar, mas a questão da segurança é que fica ali suspensa e muito em dúvida.
Aí então é que entra a frase do título mas na forma negativa… Nem qualquer um
pode ser wrestler e se até eles estão em risco no ringue e algo lhes pode
correr mal e encurtar-lhes a carreira mesmo que estejam já arduamente treinados
e preparados, muito menos de confiança são dois miúdos com a supervisão apenas
um do outro e com o único conhecimento e preparação sendo aquilo que vêem.
Portanto quando dizem para não tentar isso em casa, o melhor
mesmo é não tentarem. Apesar de eu não ter muito que falar, quando eu mesmo me
meto nisso e já muito voei – é que ainda por cima sou dos que levo só…
Outra curiosidade: A história dos Chokeslams amadores.
Tentar um contra a porta da sala de aula na escola também não é uma ideia das
mais brilhantes. Digo-o por não muito orgulhosa experiência – depende da
ocasião – que aquela porta pode não fechar mais…
Backyard Wrestling
Há males que vêm por bem. Hardy Boyz ou CM Punk são alguns
exemplos de lutadores que iniciaram o seu percurso no “wrestling de quintal”,
assim se traduza, e que conseguiram singrar no wrestling a sério. E também há
males que vêm por pior, que são quase todos os que se envolvem nisto e
infelizmente fazem todos os fãs de wrestling parecer aqueles doidos.
Por vezes apenas alguém que tem uma ideia muito má e decide
fazer asneiras lá fora. Outras vezes combates num trampolim que acabam em dores
– apesar que lá está, há casos como o dos Hardy que começaram assim mesmo. E
ainda há aquelas vezes em que são eventos inteiros, com vários combates em que
se pega num gajo qualquer com pouca estima pelo próprio corpo e fazem de conta
que são lutadores. Este caso às vezes pode ser elevado ao cubo quando decidem
ser “hardcore” e é vê-los a cair às pancadas uns aos outros e a sangrar, só
para tentar esconder o ainda óbvio facto de que não sabem peva de como lutar
wrestling.
E é nesse caso mais preciso que me pretendo debruçar. Wrestling Hardcore amador. Uma data de indivíduos que não possuem para já qualquer indício de talento no campo do wrestling mas que acharam que seria boa ideia montar um ringue lá fora e dar um show atroz de pobre qualidade. Acrescente-se ainda o facto de se calhar serem daqueles que um combate tem que ter sangue para ser bom e que se queixa da falta de “hardcore” no wrestling actual, porque os wrestlers e os seus promotores têm a mesma mentalidade de “se se matar, matou-se” que eles, de facto. Então é vê-los num espectáculo de violência que para mim nem sequer wrestling é. Porque wrestling eles não sabem, mas dar cabo um do outro com o que tiverem à mão já não é tão difícil, desde que aguente a dor ou até tenha ali uma veia masoquista que queira entrar por umas lâmpadas fluorescentes dentro.
Um exemplo. Na altura em que eu tive o meu blog de curta
vida sobre wrestling, o “Slam Zone”, andei à procura de um bom nome. Como
referência ao “Macho Man” Randy Savage, pensei no nome “Danger Zone” e lá parti
ao Google a ver se o nome já existia. Para minha surpresa e infelicidade já
havia uma “companhia” de hardcore wrestling de quintal de seu nome “Danger Zone
Wrestling”. Só o seu slogan “What we lack in wrestlers… We make up in violence”
já diz tudo e pode facilmente traduzir-se para “Nós não fazemos nem ideia do
que fazer num ringue e não sabemos lutar… Mas há violência para tentar cobrir.”
Ora abram o site que encontrei e digam lá se as imagens aí à vista não inspiram
confiança?
Respeito que haja alguém que até aprecie disto – mesmo que
não compreenda muito bem, ou gosta-se de wrestling ou gosta-se disso que, para
mim, aquilo nem é wrestling sequer – mas não lhe vejo ponta de qualidade. Nem
mesmo a CZW, que ainda é uma companhia indy mais à séria e que apresenta os
seus infames “Deathmatches”, aprecio. Apesar que essa ainda se pode considerar
um intermédio entre a revolucionária ECW que apresentava uma elevada qualidade
e aquelas porcarias de meia dúzia de desocupados como a que apresentei acima, e
também contém algum wrestling regular – mesmo que muito amador e repleto de
botches – e até já teve histórias em conjunto com a aclamadíssima Ring of
Honor. Já vi um ou outro combate e não nego que venha a ver algum show, mas
para já, não é do que mais prefiro. Agora outras coisas amadoras já não me
cabem na cabeça.
E é aí que entra de novo a frase do título. Qualquer um pode ser wrestler então, basta não ter estima pelo corpo, nem é preciso ter qualquer tipo de talento na área.
E então agora que abordados os três aspectos, fica uma
conclusão muito rápida: Não, nem qualquer um pode ser wrestler. Aqueles que
vemos a competir no ringue são homens e mulheres com talento, amor à indústria
e anos e anos de treino, dor e sacrifícios. Foram muitos anos a preparar-se
para chegarem onde estão, mesmo que andem por baixo, muitos ossos partidos,
muitos músculos rasgados, muitas deslocações, muitas feridas abertas e
hemorragias. Sangue, suor e lágrimas em demasia que sacrificam não só para se
engrandecer a si mesmo e realizar o seu sonho mas também para sucederem na sua
missão: entreter-nos. Eles não são simplesmente tipos que viam wrestling quando
miúdos e pensaram “Até era giro que eu também estivesse ali”, pensaram “Um dia vou estar ali” e
atravessaram de tudo para lá chegar. Lutadores que mesmo quando limitados no
ringue ainda fazem mais do que eu, logo não posso dizer muito. Basicamente, até
são pessoas normais como todos nós e com o seu emprego só que um emprego mais
arriscado e exaustivo e que os pode elevar a estatuto de heróis para alguns dos
miúdos. E mantêm o wrestling vivo para que possamos continuar a ver e até a
falar mal nalguns dos casos.
Qualquer um pode ser wrestler? Era bonito…
Passo como sempre a palavra a vós sobre este assunto
diferente, creio eu, mas sem vos deixar com a data de perguntas do costume,
quando afinal comentam como bem entenderem. Pronunciem-se sobre o que acharem
relevante e como quiserem acerca das questões da ignorância da gente fora da
área, do tentar as manobras em casa e do controverso “Backyard Wrestling”…
Para a semana, correndo tudo bem, volto a cá estar para mais
um “Slobber Knocker” que espero que ainda seja um espaço relevante e de
interesse.
Cumprimentos,
Chris JRM