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No Mundo do wrestling, o jornalista Dave Meltzer tenta manter a realidade


O conceituado jornal New York Times publicou a semana passada um artigo sobre o jornalista de wrestling, Dave Meltzer. Avaliando a sua trajetória profissional, o a artigo mostra um pouco de como é a vida do jornalista e de como ele chegou ao topo do jornalismo no wrestling. Aqui fica a tradução de Simão Machado do artigo que mostra quem é Dave Meltzer, alguém que para muitos é adorado e para outros odiado....

Dave Meltzer estava gravemente doente, mas o telefone não parava de tocar. Estávamos em Dezembro de 1993 e alguém tinha feito circular o número do hospital onde Meltzer estava a ser tratado devido a um apêndice rompido, um diagnostico adiado que causou uma inflamação abdominal que lhe pôs a vida em risco

Os wrestlers de quem ele falava frequentemente ligavam lhe para lhe desejar as melhoras. Vários iriam depois falar de negócio ou fofoquices, algo que um Meltzer febril iria obedientemente recordar:

“Durante 16 dias” , ele disse nos, “Eu sentei me ali com o meu caderninho à espera para ir embora e escrever”

Os wrestlers não tinham mais ninguém para ligar. A publicação caseira de Meltzer, o “Wrestling Observer”, era o seu confessionário, um lugar onde anonimamente desafogavam sobre as políticas e as vulgaridades da sua indústria. Nos últimos 26 anos ele imprimiu um jornal semanal sem frescuras que puxava uma cortina na notoriedade secreta deste negócio: quais egos estão na mó de cima, porque é que as receitas estão em alta (ou baixa), quais lesões são reais e quais são a fingir.

Meltzer disse que a sua semana de trabalho costuma exceder as 110 horas, mas a sua casa em San Jose, Califórnia, permite-lhe passar muito tempo com a sua mulher e os dois filhos. Ele não tem empregados e imprime o seu boletim informativo – num espaçamento simples de 7 pontos – numa loja de cópias local. Ele recusou a especificar quer o numero de assinantes quer quanto ganha, mas concordou com algo que dizia que o seu salário tinha seis números.

Não há nenhuma conta correcta da produção prolífera de Meltzer. Publicando cerca de 25000 palavras por edição – às vezes até mais – ele escreveu mais de 33 milhões de palavras, quase todas ao serviço de analisar um muitas vezes maligno evento atlético.

Frank Deford, um veterano com 50 anos de experiencia da Sports Illustrated, uma vez declarou Meltzer como o mais bem sucedido repórter no jornalismo desportivo.

“Podes falar do Vaticano, ou do Departamento de Estado”, disse recentemente Deford, “e não fazer um trabalho tão bom ou melhor como o de Meltzer no wrestling”

Meltzer, 53 anos, começou a assistir ao desporto com 9 anos. Aos 10 ele estava a publicar um boletim informativo que recebia patrocínios na secção dos clubes de fãs nas revistas de Wrestling. Os leitores enviavam 25 cêntimos e Meltzer mandava-lhes uma revista de 24 páginas cobrindo as últimas novidades.

“Basicamente a mesma coisa que faço actualmente” disse ele

Na altura em que um Meltzer adolescente assistia a wrestling ao vivo na Califórnia do Sul, ele reparou que nem tudo era espectáculo. Os Von Brauners, que usavam actos nazis para provocar a ira do público tinham quase sempre os seus punhos erectos na direcção dos balneários; lutas com facas ocorriam no parque de estacionamento. Se o wrestling era teatro, provocava muitas oportunidades para caos improvisado – um mundo real por detrás do teatro que parecia tão excitante como o drama no ringue.

Após graduar-se em jornalismo na San Jose State, Meltzer perseguiu uma carreira como escritor desportivo. Ele tinha vários empregos jornalísticos enquanto o “Observer”, então mensal continuava a ser “um hobby para passar muito tempo”. Ele abarrotava palavras dactilografadas em papel de tamanho legal e algumas passagens eram manchadas com corrector e corrigidas à mão.

Esta apresentação imperfeita era irrelevante. Os fãs adoravam as histórias dos balneários. Os lutadores adoravam que Meltzer destacasse quais regiões tinham mais fãs e ele dizia as assistências. Eles eram pagos consoante a percentagem de lugares ocupados, algo que os promotores sempre falsificavam.

“As notícias no wrestling não viajavam bem”, diz Meltzer. “Eu recebia chamadas a dizer que o Mr.Wonderful estava morto” ao que ele acrescentaria “eu vejo-o na TV todas as semanas”

Em 1985, Vince McMahon tinha dizimado o desporto contratando as estrelas regionais para povoar a sua World Wrestling Federation. Esta tornar-se-ia nacional, criando estrelas “mainstream” como Hulk Hogan. (A empresa mudaria o nome para World Wrestling Entertainment em 2002)

As revistas, incluindo as criadas pela WWF, vendiam gelados e promoviam rivalidades artificiais. Meltzer criticava lutadores por terem um reportório limitado de golpes, analisava ofertas de talentos e irritava-se com todos os físicos como um balão só possíveis com esteróides anabolizantes.

O “Wrestling Observer” tornou se o trabalho a tempo inteiro de Meltzer e uma publicação semanal em 1986. Lutadores intrigados passavam na pelos balneários do McMahon, subscrevendo a sob o seu nome de baptismo para esconder a sua curiosidade.

“Eles não faziam ideia que eu sabia o nome real deles”, disse Meltzer “Mas eu sabia”

Nem toda a gente era fã

“Só me apetecia soca-lo” disse Bret Hart uma das maiores atracções da WWF na altura. “Eu não gosto da ideia de alguém tentar dizer a toda a gente o que se está a passar”

J.J Dillon, um antigo empregado de McMahon disse “Havia uma reunião da administração e a informação que era discutida naquela reunião com pessoas chave o Dave denunciava. Isso deixava Vince louco”

Exasperado, McMahon finalmente abriu um dialogo quando Meltzer foi contratado em 1990 para o “National Sports Daily” um jornal de curta duração editado por Deford que elevou a reputação de Meltzer e os seus leitores

“Aquela exposição toda foi a diferença entre lutar para ter uma boa vida, e ter boa vida”, disse Meltzer.

Algum tempo mais tarde, um escândalo envolvendo os empregados da WWF acusados de abusos sexuais foi ensanduichado por dois julgamentos de esteróides que ameaçaram falir o negócio de McMahon e manda-lo para a prisão. A cooperação de McMahon desceu em flecha, mas a cobertura de Meltzer desses dramas foi inesgotável, assim como as noticias que apareciam com uma regularidade mórbida: elogios a lutadores falecidos, muitos dos quais com menos de 50 anos e muitos dos quais Meltzer consideraria amigos.

“Quando estava nos meus 30, eu tinha mais gente morta dentro dos que com quem costumava falar do que alguém com a minha idade devia de ter” disse ele

Grande parte das mortes foram resultado de cocktails de drogas, músculos, depressões e medicamentos usados (e resultado) de calendários de viagens muito fatigantes; de acordo com Meltzer, 62 wrestlers morreram de 1996 a 2007.

Em 1988, Brusier Brody, um dos primeiros wrestlers a confiar em Meltzer, foi esfaqueado até à morte em Porto Rico. Nenhum dos wrestlers que testemunharam o crime iria prestar declarações como parte do código de silêncio do desporto. As fontes de Meltzer eram sempre protegidas e raramente identificadas aos leitores. Elas falavam livremente, quebrando personagem e divulgando verdades que normalmente não seriam ouvidas.

Hart era um desses que não falava, mas em 1997 aceitou uma proposta da rival World Championship Wrestling e McMahon pediu lhe para perder o título para Shawn Michaels. Hart, irritado com Michaels, recusou fazê-lo em Montreal, no seu país natal; então McMahon conspirou para tocar a campainha mais cedo, dando a vitória a Michaels

Sentindo-se traído, Hart foi para os bastidores e pôs McMahon KO. Hart chamou Meltzer pouco tempo depois; o incidente tornou se um dos melodramas mais duradouros do Wrestling.

“Eu sabia então porque é que precisava de Meltzer” disse Hart.  “Não era uma storyline, não era algo fingido. O wrestling escreve a sua própria publicidade. Eu estava sempre satisfeito por alguém permitir a verdade sair cá fora”

Muitos dos leitores de Meltzer são agora subscritores digitais que pagam 10.99 dólares por mês para terem updates diários, podcastes e uma versão online do boletim. Cerca de 30% prefere a edição impressa, mesmo tendo de esperar alguns dias por ela.

“As coisas não mudaram muito”, disse Hart agora com 55 anos, e retirado, mas que às vezes visita os balneários. “Toda a gente luta pelo Observer apenas para ver se estão lá. Às vezes tu estás, outras vezes não. Às vezes gostas do que ele escreve outras não. Mas acho que os wrestlers apercebem-se de que é bom ter alguém que fale por ti”.

Meltzer, que tem analisado o negócio seja de que forma for há já 43 anos, não vê final à vista. Para além de também falar de MMA  - que é tipo Pro Wrestling mas sem os socos fingidos – o seu entusiasmo continua o mesmo desde que viu os Von Brauners a lutarem no backstage nos anos 70.

“Eu gosto disso por aquilo que é”, disse Meltzer. “É entretenimento, contar histórias. Eu sei o que é ser bom naquilo e gosto de ver pessoas que são boas naquilo que fazem.”

Após a sua estadia no hospital, Meltzer desculpou-se aos seus leitores por ter falhado uma semana e prontamente fez uma edição dupla.

“Aconteceu muita coisa” disse ele, “enquanto estive acamado”
Com tecnologia do Blogger.