Slobber Knocker #59: Ora vira para cá, que eu viro para lá
Sejam todos bem-vindos ao Verão que oficialmente chega aqui a este lado do Atlântico e sejam também bem-vindos ao Slobber Knocker. Para esta edição podia focar-me em qualquer coisa que tivesse acontecido no último Raw pela qualidade que apresentou e pela quantidade de acontecimentos capazes de dar que falar. Desde o regresso de Christian e Lesnar até à performance da vida de Mark Henry capaz de tirar a vez a Chris Jericho como maior troll da companhia....
Muito para falar aí mas o assunto em que me vou focar aconteceu no Payback. A disputa pelo título Mundial entre Alberto Del Rio e Dolph Ziggler originou aquele que terá sido um dos combates mais bizarros a que já assisti em muito tempo. Ziggler teve um reinado curtíssimo e a sua perda do merecido cinto é capaz de me deixar algo desapontado. Mas estava tão parvo a olhar para o ecrã que nem pensei nisso. Algo aconteceu neste combate. Algo que não é costume acontecer. Algo que demonstra que afinal a equipa criativa até consegue pensar em algumas coisas diferentes se quiser.
Refiro-me a um episódio muito raro: uma double turn.
"Double Turns", um raro acontecimento em que lutadores trocam os seus papéis de Heel ou Face a meio da sua história ou até a meio do seu combate. Muito difícil de o conseguir com sucesso e requer muito trabalho para que os fãs mudem de ideias quanto a quem estão a apoiar. O bizarro e pouco usual combate entre Del Rio e Ziggler parece ter sucedido nisso, ou pelo menos aparenta.
Para analisarmos este angle, vou começar por separar Face Turns de Heel Turns - sem fazer um artigo sobre Turns, visto que já o fiz antes - e analisar como se pode fazer durante um combate e a tarefa difícil de executar os dois em simultâneo. Em seguida tento perceber se foi isso que realmente aconteceu no caso do Ziggler vs Del Rio ou se foi só falso alarme e Ziggler continuará com o #HEEL, enquanto analiso a eficácia de cada "viragem". Comecemos:
Turns durante um combate
Heel Turns: Não é fácil. Uma plateia leva bem definida a ideia de quem será apoiado. Os cantos durante o combate já estão semi-ensaiados e não é no espaço de 10 a 15 minutos que vão mudar de ideias. Logo o que fará esses fãs que entraram na arena com a ideia de apoiar alguém, passar a apoiar o outro é muito difícil e tem que ser feito muito cautelosamente. Mudar a táctica de jogo para uma mais suja não é suficiente. Principalmente se repetir actos sujos já praticados pelo seu adversário Heel. A plateia vai ver isso como um mero acto de "cá se fazem, cá se pagam" e só lhe está a dar de provar do seu próprio remédio; Numa situação normal, muitos Superstars recorrem ao cheap heat... Como é que se faz isso durante um combate e sem um microfone por perto? A meio do combate começa a mandar o público à fava? Sem qualquer propósito? Não me parece. Este é o caso mais rapidamente excluido porque nem sequer faz sentido nem dá para se ponderar sem ser em tom jocoso. Apenas resta uma coisa: trabalhar muito bem o storytelling ao longo do combate e ter a psicologia em ringue em primeiro plano.
Um angle anterior pode ajudar - no caso do Payback tivemos a concussão - para que seja explorado lá. O essencial é que tenha dois lutadores que saibam fazer lindamente a parte do contar de história e não serem só capazes de fazer uns moves porreiros no ringue. Não podiam fazer isto num combate entre o Justin Gabriel e o JTG à espera que acabassem com papéis invertidos. Até porque nem todos iam ter a certeza quais os papéis deles já ao início. E também porque quem raio ia querer saber? Mas como diz o Taz, já estou a digredir, voltando ao assunto. Se alguém que é Face tem que virar Heel e tem que convencer o público que já não podem apoiá-lo... Que é que tem que fazer para que não receba apoio à mais mínima coisa que o faça? Tem que construir a sua personagem ao longo do decorrer do combate e conseguir concretizá-lo num espaço de 10 a 15 minutos.
Com o exemplo de Del Rio, este começou a ficar cada vez mais agressivo e vicioso. Podia passar simplesmente por foco e determinação em ser Campeão, mas os seus métodos começaram a tornar-se questionáveis e a sua agressividade rompeu a escala para o 11. O que entrara como Face - mas não propriamente como favorito da plateia por acaso - estava a começar a entrar por caminhos negros. O que ao início era um jogador de fairplay, começava a deitar o desportivismo e o respeito para o lado. Quem era o bonzinho da fita ao início, pelo fim já estava a ser uma autêntica besta.
Se derem esse trabalho a quem o souber fazer e a quem conseguir obter frutos dele, têm sucesso. Mas, e do outro lado?
Face Turns: Esta também não parece nada fácil. Um tipo vai para o ringue como sendo o jogador sujo, o odiado - não era o que se sentia no caso da plateia de Chicago, mas isso é outro assunto - e aquele de métodos éticamente duvidosos. E no final do combate é suposto ter a plateia do lado dele? Como?
Vai começar a jogar limpo? Não é suficiente. A resposta do público seria numa de "continuas a não prestar", mesmo que vissem à sua frente as coisas a mudar, se não gostam de alguém, é aquela ideia que vão levar até ao fim, querem lá saber se está a fazer coisas diferente. Num caso à parte, até com o Cena acontece, se ele começa a fazer uma coisinha ou outra diferente para mostrar que, mesmo não sendo nada extraordinário, sabe qualquer coisinha mais que o que mostra... O que ouve é "You still suck". Ou até com o wrestling em geral, em alguns casos e só para alguns fãs, podiam apresentar um show 5 estrelas que não ia prestar porque já não é 2001 ou porque não teve uma coisinha a dizer TV-14 no canto. Mas mais uma vez... Estou a digredir! O que pode fazer um Heel? Puxar pelo público? Ainda ouve apupos mais altos.
Tem tanto trabalho e responsabilidade como o Heel que quer virar Face. E tem que ser um que o saiba fazer. Na construção da história da viragem, talvez ajude que este se torne mais vulnerável mas isso não faz tudo. Ver um Heel a levar uma autêntica sova é aquilo que muitos pagam para ver e ia dar gozo e gosto, não é suficiente. Tem que se combinar com os acontecimentos da outra Turn e convencer o público de que o está a decorrer é injusto para o supostamente mau. Ao longo do combate também se deve começar a ganhar respeito por ele. Afinal o "sujo" é forte! A pena que se sente pelo Heel tem que começar a transformar-se em respeito e eventualmente culminar em admiração. Difícil, mas dêem essas ferramentas todas a algum que o saiba fazer e sai obra.
Com o exemplo de Ziggler, pegou-se na sua concussão para ter alguma ponta por onde lhe pegar. Pegou-se também no apoio imenso que ele tem numa plateia como a de Chicago. Usufrui-se bastante da sua capacidade de sell para vender cada golpe como um tiro de uma caçadeira. Dá-se-lhe a atitude mais heróica, com kick outs atrás de kick outs quando parece que não é daquela que se levanta mais. Já é precisa demasiada casmurrice para não aplaudir o persistente e bravo lutador. O resto vem nas atitudes no dia seguinte para se estabelecer como um dos "good guys".
Double Turn: Não me vou estar a repetir, era o que mais faltava. Basta juntar 2 com 2, combinar os dois cenários, fazê-los bem feitos e voilá, sem ninguém esperar, dois tipos que entraram com uma cara cada um, saíram com outra. Muito difícil de se fazer e não é em qualquer situação que se pode arrancar um desses. Faz falta um propósito e tem que surpreender.
Isto é uma maneira meia à foge-que-te-borras de explicar as Turns, feita por um tipo que anda aqui a fazer que sabe mas se calhar no fundo não sabe é um chavo. Gosto de pensar que sei qualquer coisinha mais e é por isso que agora vou aprofundar a formação das Turns, a sua eficácia e os resultados a esperar no futuro para o caso específico deste passado Domingo.
Foi mesmo uma Double Turn?
Para completar? Vem o Raw do dia seguinte onde Del Rio completou a mudança de atitude com uma promo a fazer lembrar o "Mexican Aristocrat" que conhecíamos anteriormente. E um combate no main event, onde fugiu que nem o Heel que ele já era de novo. Portanto confirma-se, Del Rio fez a Turn.
O propósito: Talvez o seu meio ano como Face fosse apenas para refrescar e nunca fosse a ideia mantê-lo como o Mexican Superman. A sua personagem já estava mais do que batidinha, queimada e com pouca relevância e credibilidade. Talvez, para remodelar as coisas, uns mesitos como Face e então depois regressa aos básicos, mais agressivo e vicioso. É o que parece ter acontecido, quer fosse sempre esse o plano ou não.
A eficácia: Teve a sua força e eles souberam escolher bem o território onde o fazer. A plateia de Chicago já ia estar contra ele desde o início, é verdade, mas se ele fizesse algo que os provocasse ainda mais, era para ter mais efeito ainda. Deu-se o caso e a reacção da plateia ao vivo pode influenciar a visão daqueles que vêem em casa - menos nos casos Anti-Cena porque aí já sabem o que a casa gasta. Para além disso, se até o Jerry "Babyface Asskisser" Lawler já se estava a virar contra ele, é porque era para ter efeito.
No futuro: Já vimos o seu reinado a Campeão como Face. Veremos como será como Heel - se é que o título não vai parar às mãos de Ziggler outra vez, como o povo bem quer. Os seus reinados como Campeão da WWE não deram para se sentir grande coisa. Com ou sem título, veremos se este Del Rio vem mais agressivo e mais interessante.
O Ziggler abalado que vimos no final do combate foi um Ziggler diferente, este conseguia transmitir um sofrimento que o público conseguisse partilhar com ele. Completa-se também, no dia seguinte, no Raw. Quando vemos um corpo a voar em direcção ao fugido Del Rio, idenitificámo-lo e notamos que aquele não é comportamento de um Heel. Um mau-da-fita ficava de baixa a queixar-se, não ia atrás a querer vingar-se. Isso e a parte de correr atrás. Nenhum Heel corre atrás, ataca por trás, foge e depois ele é que anda a fugir como fez o Del Rio. Somando tudo isso e a reacção do público... Ziggler já se comportou como um Face. Acho que já se pode considerar a Double Turn completa. Fica a questão curiosa: como será com AJ?
O propósito: Porque não? Ele já é extremamente apoiado, porque não torná-lo mais apoiado ainda? O problema é quando remodelam alguém como Face e este torna-se mais lamechas e acaba por não passar de um "good guy" com piadas secas sobre os maus. Não têm por que mudar a personagem de Ziggler em absolutamente nada. O "Show Off" que todos adoramos pode ser adorado pelo resto e os seus gestos exibicionistas podem ser usados para puxar pelo público, em vez de o provocar. Ziggler pode muito bem continuar a ser Ziggler. Mas não é mal pensado que a WWE queira lucrar um pouco mais dele e aproveite para explorar o #FACE...
A eficácia: Mais uma vez, estavam no sítio certo para o fazer. Em Chicago ficou o público a cantar o seu nome e acho que era isso que eles queriam. Só não sei é se isso acontecia noutro sítio qualquer e se neste sítio por acaso não acabavam a cantar o nome dele mesmo que ele andasse a pegar fogo às pessoas e a bater em bebés e velhotas. Mas a sua viragem foi sentida. Mas não tão sentida como a de Del Rio e talvez não seja tão eficaz no momento e seja mais de construção progressiva. Veremos.
No futuro: Fica a questão da AJ. Apesar que eu até acho que haver um casal de Face e Heel podia ser algo interessante. Virar a AJ não. Por favor não, ela agora está num ponto que é sempre a subir. Big E Langston também fica ali na corda bamba da dúvida. Mas talvez até se acabe a parceria e Ziggler ande a navegar a solo. Não façam é a AJ enrolar-se com o Big E, que isso começa a perder a piada. Ela no backstage deve ser a coisa mais nerdy e mais "inocente", dentro dos possíveis que lá têm, mas em TV constroem-na como se fosse... a Kelly Kelly do backstage. Mas pela enésima vez, estou a digredir. Ficamos para ver o que acontece. Só acho é que não há nada para mudar na atitude de Ziggler, logo não convém fazer asneiras...
É isto que há a dizer sobre o assunto desta semana. Confirmo o acontecimento da Double Turn do meu ponto de vista - se já o sabiam perfeitamente, peço desculpa por não ter acrescentado nada mas vi muitas dúvidas por aí. E também já analisei o potencial de cada uma delas. Também do meu ponto de vista e esta é a altura em que deve passar para o vosso. Como vêem estas Turns? Achavam que fazia sentido ou não valia a pena? Estavam à espera? Acham que realmente aconteceu ou foi só algo momentâneo? Conseguem lembrar-se de mais alguma para além do caso de Bret Hart vs Steve Austin?
A caixa de comentários é toda vossa para discutirem sobre este assunto como quem quiserem e entenderem. Eu aqui me retiro. Fica um desejo de continuação de um bom fim-de-semana e uns especiais cumprimentos aos leitores Brasileiros que, actualmente, atravessam no país uma fase "doida" e digo, em nome de todos os Portugueses, que têm o nosso apoio e do resto do mundo. São lutas por direitos e há muita coisa que precisa de mudar, força nisso.
Com isto posto de parte, na próxima semana cá estarei se não tiver qualquer impasse.
Cumprimentos,
Chris JRM