Mac in Touch #49 - Summerslam 2013 - Análise combate-a-combate (parte II)

E aqui fica a parte final da análise do Summerslam, combate-a-combate. Uma segunda parte de show que teve dois combates fantásticos, mais um bastante mediano que os intermediou.... e ainda bem, foi da maneira que deu para recuperar o fôlego.
Desde que comecei a analisar combates no Mac in Touch, nunca dei uma nota tão elevada a um combate como dei a um dos que se disputou neste evento e isso também é de assinalar....
O pré-show, como requerido, também está incluído no pacote.
Summerslam 2013 - Análise combate-a-combate
Combate pelo título dos Estados Unidos
Dean Ambrose (c) vs Rob Van Dam
O build-up para este combate era praticamente nulo e não
seria por aí que se chamaria a atenção do público. No entanto, RVD foi recebido
em apoteose e apesar de ter havido cânticos divididos para ambos os lados,
creio que o público esteve por trás do babyface, tal como “deve ser”. Ou seja,
em termos de psicologia, o que faltou em história prévia, existiu no afeto
natural do público por RVD (reside em LA, pelos vistos... e tem sido bem “reconstruido”).
A alegria em lutar com que Rob Van Dam nos presentou é qualquer coisa de fantástico, assim como o atleticismo que exibiu nesta contenda, fazendo lembrar aquele lutador com energia contagiante e de pontapé fácil, com uma agilidade fora do comum. Foi assim que esteve RVD e Ambrose ajudou à festa sendo o complemento perfeito, estando encaixado nas suas características naturais – é o heel perfeito para se opôr ao babyface “voador” por conseguir pausar o combate e baixar-lhe o ritmo de forma extraordinariamente subtil.
Quanto ao encadeamento lógico do combate, foi normal e sem grandes erros. Creio que o equilíbrio foi nota dominante, o que se aceita, e mesmo quando houve um domínio mais declarado da parte de Van Dam no final, isso acabou por ser normal face àquilo que já lograra fazer ao seu adversário.
O final encaminhava-se para ser muito bom face ao crescendo que vinha ganho anteriormente, mas a interrupção dos Shield acabou por estragar um bocadinho o clímax que estava prestes a ser atingido e que seria ver RVD como campeão dos EUA... contudo, aceita-se que isso tenha acontecido do ponto de vista da construção dos Shield.
Total: ** 1/2
Combate sem desqualificações
CM Punk vs Brock Lesnar
Há coisas neste ramo que nos apaixonam mais que outras. A
carga de intensidade ou (porque não?) eletricidade que um lutador deposita nas
suas batalhas contra alguém que é suposto odiar estão entre aquelas que nos
apelam mais a nós, fãs de wrestling. Cria-se uma certa ligação com os
envolvidos nas mesmas pelo facto de se sentir a entrega que aquelas pessoas
estão a ter para nos entreter. Tem sido assim, brawl atrás de brawl, com CM
Punk e Brock Lesnar. Ainda por cima é algo muito bem alicerçado e que teve toda
a lógica em acontecer – a traição de Paul Heyman depois de Punk cortar as
relações profissionais com ele, a inveja de Brock Lesnar, a abordagem do
ex-melhor amigo de CM Punk que lhe foi ao que mais de pessoal tem, tocando na
falta de família e na necessidade de aprovação por parte do público (e que é,
ao mesmo tempo, uma maneira inteligente de elevar um babyface). Tudo isto fez
com que este combate tivesse o tal “big fight feel” antes dele mesmo acontecer.
Em termos de história prévia, não teria qualquer contemplações em dar a esta
rivalidade cinco estrelas.
Claro que o combate beneficiou de uma história destas proporções, assim como do nome sonante dado ao mesmo – The Best vs The Beast fica mesmo no ouvido e, óbvio, chama a atenção.
Parece contraditório considerar que um combate é tanto melhor quanto mais se aproximar da realidade observado pelo mundo externo ao mesmo que, ignorante, associa à farsa a principal componente do nosso desporto. Mas a realidade é que é esse aproximar de lógica que torna um combate mais espetacular a todos os níveis, chegando a um público mais amplo – do miúdo mais mark ao velho mais smart. Sucedeu-se isso neste combate, com um arranque explosivo, no qual um Punk cheio de alma tentou mandar abaixo um Lesnar cheio de força. A forma como o dominou no início, pegando-o pelas pernas e encostando-o às cordas foi qualquer coisa de monstruoso provando que não é preciso uma manobra espalhafatosa para nos fazer abrir a boca para soltar um “Ai Jesus!”. A resposta de um Punk mais frágil é extraordinária e exemplarmente ilustrada com as expressões faciais usadas que contribuem para um psicologia de ringue a roçar a perfeição sob a perspetiva de “bom vs mau”.
A estrutura do combate é fantástica e entra em consonância com a história que estava por trás do mesmo. A agressividade de Lesnar que não poupa o seu adversário com o instinto psicopata a vir ao de cima quando, perante um adversário ferido, continua a tratá-lo como se fosse um mero objeto que não se importa de atirar de um lado para o outro. A motivação de Punk em demonstrar que era melhor que Lesnar, e o uso da sua maior arma – raça, coração, alma - para o lograr mesmo estando perante uma parede de músculos. Tudo isto foi tido em conta e usado de forma inteligente com as reações “milagrosas” de Punk aos ataques sucessivos de Lesnar e a forma como o segundo conseguia retomar o domínio perdido por instantes. Terá havido uma ou outra falha, mas para um combate que foi um autêntico hino ao wrestling profissional na sua forma mais “shoot”/real (a parte em que há troca de submissões é brilhante) até fica mal referia-las. O “culpado” foi Lesnar que vendeu, por vezes, demais e fico-me por aqui porque nem há muito que explorar.
O final ilustra bem o que se passa no desporto – aquele que mais queria não ganhou, ficando por cima quem conseguiu manter a frieza. Punk foi à procura das motivações que o coração lhe gritava (ataque a Paul Heyman) e Lesnar conseguiu aproveitar essa “desatenção” para capitalizar a vitória.
Combate inter-géneros
Dolph Ziggler e Kaytlin vs AJ Lee e Big E Langston
Um combate no qual eram comprimidas duas rivalidades e duas
das personalidades mais populares do panorama actual da WWE (Ziggler e AJ Lee).
Seria de esperar maior atenção por parte do público para este combate, por esse
fator por isso mesmo, tal como acontecem em shows semanais... mas para os olhos
de quem está a assitir ao evento maior que um mero show semanal, não passa de
uma simples vulgaridade que se pode ver todas as semanas. Ou seja, todos os
intervenientes foram prejudicados por um putativo mau booking, ainda que,
reconheça-se, faça sentido ter AJ e Dolph Ziggler numa zona de “combate”.
Porém, caiu-se na vulgaridade e na repetição (Ziggler e Big E em combate já
tinha sido dado “de borla” e o AJ Kaytlin foi visto muitas vezes).
A abordagem entre dois ex-melhores amigos ao combate deveria ser mais intensa e não tanto fugidia como começou Dolph no primeiro confronto com Big E. Entre Kaytlin e AJ houve a química própria de quem já esteve a partilhar o ringue, antes, perante o grande público, e houve boas manobras e até sentido lógico, como o domínio de AJ Lee, típico de uma lutadora mais “cerebral” e o tag que se seguiu. Depois, Ziggler dominou graças ao ímpeto que levava e aceita-se, mas o final acabou por ser um bocado descrível face à massa corporal de ambos os lutadores e à putativa motivação de Big E em derrotar Ziggler, que não foi suficiente para reagir.
Tudo somado, não foi um combate, de todo, aborrecido. Acabou mesmo por surpreender, principalmente entre mulheres. Contudo, estaria condenado à vulgaridade.
Total: **
Combate pelo título da WWE
John Cena (c) vs Daniel Bryan
O puro contra o sintético. O mais acarinhado contra o mais
comercial. O pequeno contra o grande. A glória perseguida por quem mostra amar
mais o desporto em si do que qualquer outra coisa e que está no ramo para se
consagrar como lutador e não como super-estrela. O homem que se lhe atravessa
ao caminho é o que está no topo da pirâmide da popularidade (ninguém lhe fica
indiferente) e foi ele mesmo que escolheu o pequeno, mas puro e acarinhado
lutador. Bryan tem finalmente a sua oportunidade. Uma história que acaba por
ser facilmente “engolida” e remetida para os afetos, ainda por cima com o
envolvimento dos “altos quadros” da WWE que contribuíram ainda mais para a atenção
que o combate chama. A influência deste conjunto de fatores no combate é
notória, sendo a causa do “Big Fight Feel” pré-confronto que se fez sentir na
arena e em casa...
... e que teve seguimento durante o combate. É uma questão de lógica que nos levava a prever isto: qualquer adversário de Cena arrisca-se a ser adorado em qualquer arena e em qualquer evento; estávamos no Summerslam, em LA, e uma das estrelas mais aclamadas do momento é Daniel Bryan que era o seu adversário. Resultado: enorme afluência do público e uma disponibilidade emocional do mesmo gritante, sendo ajudado por várias manobras executadas por ambos os lutadores, nomeadamente o suplex executado em cima do escadote por parte do Cena (algo raro), o “You Can’t See Me” usado pela segunda vez depois de falhada a primeira (é algo que resulta sempre, seja que manobra fôr) ou a “Super”-Hurricanrana (que inicialmente seria um AA, mas foi contra-atacado com aquelas cotoveladas fantásticas à la American Dragon) falhada por Bryan que se traduziu num STFU. Exemplos que ajudam a mostrar o porquê de uma aderência tão grande e que tornaram a psicologia do ringue perto perfeição.
O encadeamento lógico do combate foi credível e satisfatório. Bryan a levar o jogo para o chão foi algo que se deve assinalar pela história que estava por trás. Ou seja, levou o campeão, normalmente moldável ao estilo do adversário, a praticar o estilo mais puro de wrestling e assim nos entreteram durante uns 4/5 min até haver trocas de domínio que beneficiaram o combate, embora não se possa dizer que um lutador teve vantagem duradoura sobre o outro (apesar de me vir à memória Bryan a dar pontapés em Cena e a pedir para ele se levantar), o que se aceita mesmo tendo em conta a diferença de tamanhos. É que a galvanização de Bryan torna-o semelhante aos “bichos” do ramo, a alma dele prova, de uma fora inspiradora, que um homem não se mede aos palmos. Passada essa ideia, temos lógica de storytelling num combate grande vs pequeno e foi o caso aqui, mais uma vez.
O entrosamento entre ambos foi razoável. Creio que poderia ter sido muito melhor não fosse a lentidão de Cena – foi evidente numa situação em que Bryan executa os seus signature moves, demorando a responder ao mortal para trás que este costuma usar com auxílio das cordas e ainda na reação a um terceiro pontapé, denunciando o contra-ataque com uma linguagem corporal que já o fazia antever antes do mesmo ser executado.
Tudo somado, um bom combate, digno de main-event de Summerslam, mas com algumas falhas, aqui e ali, no que toca ao storytelling e ao entrosamento entre ambos assim como em relação à duração da contenda, que se arrastou para lá do desejável. Contudo, há a assinalar a forma como o combate acabou – a manobra usada não era, de todo, aquela que fazia antever o desfecho. Funcionou muito bem, e a inovação é algo que não deve deixar ser valorizado.
Total: *** 1/2
Nota final do PPV: 3.5/5