Em entrevista: Unscarred - 'Sick' Nick Mondo | Ícone da CZW e do wrestling ultraviolent norte-americano
Suspeito que todos conheçam o entrevistado: 'Sick' Nick Mondo, de seu nome Matthew Burns foi um pro wrestler norte-americano conhecido especialmente pelo seu percurso na CZW enquanto deathmatch wrestler. Arame farpado, light tubes e um corta relva manual fazem parte da lista de objetos com os quais Nick Mondo contactou bem de perto (talvez de mais)....
- É verdade que a sua carreira foi curta, mas o legado que deixou foi enorme. Um documentário, de nome Unscarred (disponível no PWT) foi feito acerca da sua carreira e vida antes do wrestling. Atualmente, Nick Mondo é realizador de cinema e diz-se feliz por fazer o que gosta. Nós lembramo-nos dele como um dos mais sonantes nomes do deathmatch wrestling e como, talvez, o nome que catapultou a CZW para a popularidade mundial de que hoje dispõe.
Mauro: Bom, primeiro que tudo, tenho que agradecer a
tua disponibilidade para concederes esta entrevista. A altura não podia
vir mais em jeito, sendo que no passado dia 14 fizeste o teu regresso ao
Cage of Death.
Nick: Não tens de agradecer, o gosto
é meu em dar a conhecer um pouco sobre a minha pessoa. E é verdade sim,
regressei no Cage of Death mas, tenho a dizer, apesar de sentir falta
dos ringues, apenas voltei por uma noite e foi pelo meu irmão (Rory
Mondo retirou-se no Cage of Death).
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1.
Ora, para começar, há uma pergunta obrigatória: lembras-te de quando
começaste a sentir aquela paixão pelo wrestling que te fez querer seguir
uma carreira neste negócio? Quando aconteceu isso?
Nick:
Lembro-me sim, tinha 15 anos (1995/96) e um amigo meu levou-me a um
show da velhinha ECW. Na altura não fazia ideia porque é que ele queria
levar uma tampa de um barril, uma assadeira ou qualquer outro item
doméstico para um evento de wrestling. Isto até entrar no show e ver
como os wrestlers lutavam pelo meio do público e usavam todo o tipo de
objectos que nós, fãs, trazíamos de casa. O realismo da ECW, bem como
aquela atitude de durão “renegade”, bem como a qualidade do wrestling
proporcionado no geral foram factores que me despertaram interesse para o
pro wrestling na altura. Antes desse show, conhecia a WWF mas não tinha
qualquer interesse naquilo.
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2.
Nessa altura, em que eras apenas um fã, quais eram os teus ídolos na
indústria, se podemos dizer, aqueles pelos quais tu eras um “mark”?
Nick:
Na ECW eu gostava mesmo do Tommy Dreamer e dos Pitbulls (#1 e #2)… mas
depois, com olhar mais atento, reparei no Sabu, tudo mudou aí. Estava
espantado, hipnotizado pelo Sabu. Depois vi o Hayabusa. Esses dois
apresentavam um estilo fantástico que eu depois quis aprender e pôr em
prática por mim próprio.
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3. No
teu documentário (Unscarred), dizes que costumavas praticar backyard
wrestling, com os teus amigos, chamando-lhe “Ninja Battles”. Vídeos das
mesmas são também mostradas no documentário. Num geral, pensas que o que
fazias no teu quintal te ajudou a tornares-te num pro wrestler, de
alguma forma?
Nick: Não, não mesmo. Naquela altura
eu acho que nem queria verdadeiramente ser wrestler. Acho que só me
queria divertir e passar o tempo com o pessoal. Talvez até tenha sido o
contrário e o backyard wrestling me tenha prejudicado. Quando treinas
para ser wrestler, se estiveres acostumado a lutar no teu quintal, há
muitos hábitos que tens de esquecer.
O BYW é divertido, sim, mas quem
quer ser pro wrestler deve estudar a anatomia e o movimento do corpo
humano. Eu diria: artes marciais, treino com pesos, cardio e até ballet
(o Lucky tHURTeen por exemplo estudou dança). Porque se souberes
controlar o teu corpo vais claramente parecer melhor no ringue. E quando
achares que é tempo… junta-te a uma escola de wrestling.
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4.
Ainda no campo do backyard wrestling, temos vários exemplos de pro
wrestlers, agora famosos, que começaram, justamente nos seus terrenos
(CM Punk, The Hardy Boyz…). Esses tiveram sucesso, ainda assim, lutar
sem supervisão de alguém competente no assunto é um risco e pode causar
sérias lesões (ou pior). Há algum… conselho que queiras dar quanto a
isso?
Nick: Como eu digo, o BYW é simplesmente para
te divertires, mas quando toca a grandes riscos, acredita, não vale a
pena e vais-te ressentir desses riscos um dia. Quando eu estava na fase
final das tais “Ninja Battles”, eu estava cada vez mais a aumentar o
grau dos riscos que tomava. Estupidez, eu sei. Tanto que eu nem queria
mostrar a “footage” ao público. Percebo a adrenalina que sentes ao
tentar mostrar o que consegues fazer aos teus amigos, mas ninguém no
negócio do wrestling leva o backyard wrestling a sério. Estou a ser
sincero: ninguém! E aconselho quem queira treinar para ser wrestler a
nunca mostrar a sua “footage” de backyard wrestling. Não mostrem isso a
promotores ou a treinadores. Não é nada mais do que uma boa forma de
perderem respeito na indústria e de até serem vítimas de um shoot
beating num ringue. Acreditem, já vi isso acontecer.
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5.
Ainda no Unscarred, disseste que foi um erro ter começado a competir em
‘ultraviolent matches’. Ainda assim, foi esse tipo de wrestling que te
tornou numa lenda, por outro lado, encurtaram-te a carreira. Num geral,
pensas que se não tivesses optado por participar nesse tipo de combates
terias tido uma carreira com mais brilho?
Nick: Os
meus planos iniciais eram para ter uma carreira curta, de apenas 2 ou 3
anos. Portanto não, não posso dizer que os deathmatches me tenham
encurtado a carreira. Eu era um mark na altura e achava que assim que
terminasse o meu treino ia directamente para a ECW. Infelizmente nunca
lá trabalhei até porque a promoção, como sabemos, faliu quando eu
comecei a ter alguma importância no mundo do wrestling.
É um erro
construíres o teu nome enquanto wrestler violento se não queres
continuar nesse tipo de wrestling, mas chegou ao ponto em que eu estava
farto de ter de parar por lesões, porém, eu continuava a receber
bookings em deathmatches, era o que os fãs queriam. Mas num geral sim, a
minha carreira não foi encurtada. O meu plano sempre foi ter uma
carreira de apenas alguns anos, divertir-me no cenário indy (se
considerarmos a ECW uma indy) e depois sair do wrestling. Hoje sou um
tipo saudável e se quisesse voltar ao wrestling voltava. Mas não é essa a
minha vontade.
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6.
Uma questão simples e fundamental: achas que era viável sacrificares o
teu corpo em ultraviolent matches pelo dinheiro que ganhavas?
Nick:
Pelo dinheiro? Claro que não. Eu não cheguei a receber 300$ (dólares)
pelos três combates que fiz no Tournament Of Death II. Para mim nunca
foi pelo dinheiro, nem acho correto aleijares-te pelo dinheiro, eu
fazia-o pelo divertimento e pela adrenalina, e foi quando deixou de ter
piada que eu saí… quer dizer, não deixou de ter piada, não deixou de ser
divertido, o wrestling é sempre divertido mas quando os problemas que
causa começam a ser mais que os aspectos positivos, aí é tempo de sair
do negócio. Foi o meu caso. Muito sacrifício para pouco ganho e não falo
só de dentro do ringue, fora também. Personalidades da treta com que
tens que lidar, muito tempo de viagem, problemas financeiros… todos os
wrestlers nas indies sabem do que falo.
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7. Falando da tua estreia num ringue, foi em 1999. Estavas, de alguma forma nervoso, o que sentias antes de entrar no ringue?
Nick:
Nervos, sem dúvida claro. Para ser sincero, sempre tive um certo
nervosismo antes de passar pela cortina a caminho do ringue. Participei
em cerca de 150 ou 200 combates e desde o primeiro ao último senti
sempre o mesmo. Até mesmo no dia 14 quando regressei para o final do
Cage of Death. Mas ao longo da minha vida aprendi que a coragem não é a
ausência de medo, é sim a habilidade de o enfrentar.
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8.
Um combate que certamente te lembras e que esta entrevista sem ele não
era a mesma coisa. Falo de um No-Rope Barbed Wire Match em 2001: Nick
Mondo vs. Nick Gage. O combate era ao ar livre e chovia a potes, não
estavam de forma alguma reunidas as condições para a prática de
wrestling. Como te sentias ao ir para aquele combate com o ringue e
todos os objectos encharcados?
Nick: Não minto,
estava lixado. A meteorologia dava mau tempo para esse dia mas o Zandig
insistiu em não cancelar o show. A chuva começou mesmo antes do meu
combate e afetou a forma da colocação do arame farpado. Resultado: as
cordas de arame estavam fracas e partiram à primeira oportunidade. O
Gage e eu tivemos de cancelar uma série de spots que havíamos planeado
antes. Lembro-me bem: antes do combate o Gage olha para mim e diz-me:
“eu já nem quero fazer isto…”, eu pensava o mesmo. Ainda assim o combate
acabou por ser memorável. Não foi o planeado mas tanto eu como o Nick
estávamos contentes com o resultado final.
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9.
Possivelmente o momento de que nos lembramos logo quanto o teu nome é
falado: aquele spot com o corta-relva no ToD I. No Unscarred classificas
esse momento como o mais doloroso que enfrentaste enquanto wrestler.
Esse spot ainda te dá arrepios?
Nick: Só o som de um
corta relva a ligar chega para me arrepiar. Há que lembrar que eu
estava coberto de sal antes de o Wifebeater usar o corta relva. Depois
do pinfall lembro-me de o sal me estar a queimar os cortes todos que
tinha, era impossível de aguentar a dor, lembro-me de serrar os dentes e
de o Rob Hartog (árbitro do combate) me ter perguntado: “dói?”. E eu só
conseguia abanar a cabeça como que a dizer que sim.
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10.
Tournament of Death II: os últimos três combates da tua carreira
(tirando o regresso no Cage of Death XV) aconteceram nesse dia e no
segundo tiveste um bump inacreditável contra o Zandig. O que é que
sentiste quando caíste de cima de um prédio para cima de mesas e de
light tubes, sem esquecer que na realidade aterraste mais no chão, que
era gravilha…?
Nick: Estava KO, inconsciente mesmo
por breves segundos e quando voltei a acordar não me conseguia mexer e
depois percebi que o Zandig estava em cima de mim a pressionar o meu
ombro contra vidro partido. Demorou mais ou menos um minuto para a minha
visão, audição, movimento e fala voltar ao normal e lembro-me de ter
dito ao Zandig: “podes sair de cima de mim?”, o Zandig não é pequeno e
estava a aleijar-me. Quando me tentei levantar, aí foi quando eu pensei
pela primeira vez que era tempo de acabar a minha carreira. Parecia que
tinha partido metade dos meus ossos. Foi um risco estúpido e tenho sorte
de não estar numa cadeira de rodas depois disso.
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11.
Porém, fizeste mais um combate, ganhaste o torneio e retiraste-te,
deixando para trás um legado na CZW sem nunca teres ganho o título maior
da companhia. Sentes-te feliz pelo sucesso que alcançaste?
Nick:
Falei sobre isso com o Thumbtack Jack há tempo. Estou feliz com o
legado que deixei, porém não consigo sair do mundo do wrestling
inteiramente satisfeito. É por isso que muita gente um dia recua na sua
palavra e volta a lutar. Mas para mim foi importante sair no topo. Não
queria que os fãs dissessem: “epá, lembras-te do Mondo no seu pico de
forma?”. Portanto foi muito bom eu ter saído no meu pico de forma,
porque assim lembram-se de mim melhor do que eu era na altura. Se sinto
falta desses tempos? Claro que sim, mas foi bom eu ter saído na melhor
forma que atingi. Estou grato por não ter nenhuma lesão maior no meu
corpo e pelos fãs se lembrarem de mim ao fim de 10 anos. É muito fixe
isso.
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12.
Dia 14 de Dezembro voltaste à CZW ajudando o Lucky a vencer o Cage of
Death para a sua equipa no teu regresso de uma só noite. Após o combate,
o teu irmão também se retirou e muitos não acreditavam na sua reforma
(incluindo eu) mas o Rory confirmou isso nas redes sociais. Num período
breve, achas que o teu irmão pode voltar?
Nick: Muita
gente regressa após voltar é certo, mas eu surpreendia-me imenso se o
Rory voltasse. Ele vai para a universidade trabalhar como professor de
wrestling amador e tem outros planos para a sua vida, tal como eu. Por
isso, acho que nunca mais vamos ver o meu irmão no ringue outra vez.
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13.
Ao longo da tua carreira tiveste, logicamente, muitos oponentes. Se
podemos por as coisas nestes termos, com quem mais gostaste de
trabalhar?
Nick: Se tivesse mesmo de escolher
alguém, tenho de dizer: Trent Acid (R.I.P.). Adorávamos trabalhar um com
o outro e ele ensinou-me mais do que qualquer outro adversário que eu
tive. Nunca lutei contra ninguém tão rápido e ágil como ele e ele tinha
um sentido de orientação excelente, era muito bom a controlar um público
e sabia como fazer tudo parecer espectacular sem aleijar
verdadeiramente um adversário.
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14.
Desde que saíste a full time do mundo do wrestling, em 2003, muita
coisa mudou na CZW. Quem são os nomes que pensas que irão ter muito
sucesso num futuro próximo como parte da empresa?
Nick:
A CZW está cheia de talento actualmente, com muitos jovens lutadores
que certamente têm capacidade para ter um futuro brilhante, mas sou um
enorme fã do Drew Gulak, ele é muito bom e prevejo um grande futuro para
o miúdo.
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15.
E não podia acabar esta entrevista sem falar do teu presente enquanto
realizador. Até agora tem sido uma experiência positiva? Tens algum
projecto a apresentar em breve?
Nick: Finalmente
tive algumas boas oportunidades nos últimos três anos na minha carreira
enquanto realizador. Trabalhar enquanto realizador é a coisa que mais
gosto de fazer na vida e estou excitado em continuar a seguir esta
carreira. Presentemente, estou a trabalhar numa longa metragem sobre a
Yakuza (máfia japonesa). É até agora o projecto que mais me agradou e
estou ansioso por terminá-lo e poder mostrá-lo ao mundo.
Mauro:
Finalmente, tenho de te agradecer novamente pela entrevista e
desejar-te boa sorte na tua vida profissional, bem como na tua vida
pessoal. Muito obrigado.
Nick: O prazer foi meu e tenho de agradecer o interesse acerca da minha carreira e da minha vida. Obrigado.