Lucas Headquarters #158 – Terá a AEW ido longe demais? Uma reflexão sobre a violência no wrestling
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Como estão?
Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquaters” aqui no
WrestlingNotícias!!
Tenho boas e más notícias para vos dar. Quais são as que
querem saber primeiro? As boas? As más? Ok, vamos às boas.
As boas notícias é que, pela primeira vez em três meses (sim,
foi demasiado tempo) vamos voltar a falar de All Elite Wrestling. Se bem me
lembro, a última vez que a AEW foi tema principal de um artigo neste espaço
(não contando as referências que são feitas no desenvolver de outros artigos)
foi em Maio, quando passámos em revista os cinco anos da empresa.
As más notícias, é que eu tinha prometido que vos falava da feud
entre Swerve Strickland e Hangman Adam Page – na minha opinião, a
melhor trilogia de wrestling desde os FTR vs Briscoes - mas optei por
adiar esse tópico para daqui a uma semana. E fi-lo não porque não tivesse por
onde pegar nessa matéria, mas porque, quando ainda se está a fazer o rescaldo
de um excelente All Out, surgiu outro assunto ainda mais divisivo que está a
voltar a mexer com várias coisas que dizem respeito à forma como nós, enquanto
fãs, vemos este desporto chamado wrestling.
Creio que quase todos os que se vão dar ao trabalho de ler
este artigo concordarão comigo quando vos digo que o que está aqui em causa são
coisas um tanto quanto… secundárias. Vai-se a ver e, no fim do dia, o que
desperta a revolta e a ira destes fãs não é algo que seja assim tão importante.
Este é também um assunto que toca mais no coração daqueles
que, como eu e tantos outros, cresceram naquelas duas eras da WWE que definiram
e moldaram a nossa paixão pelo wrestling: Attitude Era e Ruthless
Aggression Era. Daqueles que cresceram a ver rios de sangue a escorrer cara
abaixo, cadeiradas no meio da testa (com todas as consequências que isso,
infelizmente, implica) e outras coisas do mesmo género.
Mas este é sobretudo um assunto bastante… subjetivo. E sim,
bem sabemos que “gostos não se discutem”, mas ao mesmo tempo contrariamos essa
velha máxima com aquela que nos diz que as opiniões são tal e qual os nossos
traseiros: Toda a gente tem um, e sempre assim será, independentemente do
assunto tratado e do grau de conhecimento com que falamos dele.
O tópico desta semana tem, no sentido estrito (e lato também)
a ver com a quantidade de violência que a programação semanal das empresas de wrestling
apresenta. E eu não tenho quaisquer problemas em falar nisto, muito embora
seja um assunto que, às vezes, me custa a entender. E não é porque haja
segmentos que são, em certos aspetos, demasiado gráficos (com certeza que, nos
anos 90, a WWE já produziu bastantes desses, alguns com referências e
maneirismos que, se fosse hoje, levariam a um cancelamento à escala Cannibal
Corpse).
O que me faz confusão – e já vou analisar isso de forma mais
particular – é, nesta última semana, ter lido posts e ouvido opiniões de
gente que tem clamado há anos pelo regresso de uma programação menos PG à WWE –
ou, alternativamente, o surgimento de uma empresa que ofereça um conteúdo mais hardcore
– mas que quando a AEW produziu um segmento e um combate que cumprem os
requisitos que esse pessoal tão ardentemente menciona, vêm dizer que foi
demasiado.
Então como é que é? Em que é que ficamos, afinal? Qual é o
vosso critério para definir se aquilo que vocês veem na vossa TV é demasiado
violento ou não?
Tudo bem, todos nós temos uma espécie de “limiar da
violência” – se é permitido chamá-lo desta forma – em que há um certo limite a
partir do qual nós já consideramos um certo conteúdo como sendo visualmente
gráfico ou violento (e atenção que, num caso como o do wrestling, a
violência pode surgir, e muito provavelmente surgirá, de outras formas que não
a física – há quem considere palavras como “bitch”, “ass”, “douchebag” e
outros insultos como violentas e por isso as censure ou repudie) e esse limite
varie de pessoa para pessoa ao ponto em que, por exemplo, um indivíduo se sinta
completamente à vontade a ver filmes de terror e outro nem sequer consiga
pensar em tal coisa.
A questão é que não me parece que esse limiar que vos falo
exista verdadeiramente no caso destas pessoas. E isso não quer dizer que ele
não esteja lá e que elas não tenham um, porque, mais uma vez, isto é algo que
todos nós temos e que varia consoante a perceção individual do que é violento
ou não. Mas nestes casos, o limiar dessas pessoas muda de forma muito volátil,
muitas vezes por questões demasiado conservadoras.
O conservadorismo e o wrestling: É preciso ser
violento para ser apelativo?
conservadorismo e o wrestling. E para podermos
compreender porque é que essa relação existe (ou não), vamos pegar na seguinte
pergunta: É preciso que o wrestling seja graficamente violento para
captar a audiência?
Vou começar por responder com um exemplo prático bastante simples e pelo qual todos nós já passámos: Acredito que a esmagadora maioria dos fãs que já levam décadas a consumir deste mundo do wrestling começaram a ver quando tinham, pelo menos, seis anos de idade (eu, por exemplo, comecei quando tinha sete). E, nesses primeiros anos em que vimos wrestling, com certeza que os nossos pais ou avós, ao repararem no fascínio com que nós víamos o RAW ou o SmackDown, nos alertavam com o aviso do costume:
"É melhor não veres isso, filho!! Olha que isso é muito violento para a tua idade!!"
A verdade é que, na altura em que isto acontece, há todo um common
ground que se gera, no sentido em que tanto nós pensamos que aquilo é real
por inocência como os nossos pais (mas principalmente os nossos avós) pensam
que aquilo é real por ignorância.
Nós, quando somos crianças, pensamos que o que se passa
dentro do ringue é real porque o nosso cérebro ainda não tem a capacidade de
distinguir a realidade da ficção; e os nossos avós – sobretudo os nossos avós -
pensam que aquilo é real porque, tendo a capacidade mental para saber que há
todo um planeamento por detrás do que está a acontecer, escolhem,
voluntariamente, não o fazer, talvez por saberem que se o fizerem iriam tirar
de nós toda a magia com que víamos wrestling durante a nossa infância.
Por muito que não se queira admitir, quando somos crianças
tendemos a imitar tudo aquilo que vemos, portanto seria mentira se me dissessem
que não tentaram reproduzir aquele combate que viram na televisão quando
andavam na escola, ou que não tiveram uma atitude mais violenta para com um
colega dias depois de terem visto um RAW ou um SmackDown. É o nosso cérebro a
desenvolver-se. Não é aconselhável, nem de perto nem de longe, mas acaba por
ser natural.
No entanto, quão maior for o grau de violência, maior tendência haverá para se reproduzir o que se vê. Mas a verdade é que as crianças também se impressionam não tanto pelo visual, mas pela forma over-the-top como as coisas acontecem, um pouco à imagem de certos animes como o Dragon Ball ou Sailor Moon.
Tendo tudo isto em conta, o wrestling não precisa de ser graficamente violento para ser apelativo para audiências mais jovens. Muitas vezes, um redemption arc bem feito, com um wrestler que esteja talhado para esse tipo de storylines, é o suficiente para captar novos fãs.
Isso explica, por exemplo, o porquê de muitos de nós ainda hoje sermos fãs de nomes como Rey Mysterio ou Jeff Hardy, que realizavam spots impensáveis para o comum mortal, e que por isso captavam a nossa atenção. Agora, é óbvio que, quanto mais gráfico for o conteúdo, ou se esse conteúdo for de encontro a valores moralmente condenáveis pelos mais conservadores (e muitas vezes personificado por wrestlers como o Undertaker) é normal que vá captar mais interesse e despertar maior curiosidade.
Terá a AEW ido longe demais com o segmento dos
BCC e o combate entre Hangman Adam Page e
Swerve Strickland?
Chegados que estamos a este ponto, já temos todas as
condições reunidas para lançar a questão inicial: Terá a AEW ido longe
demais com o segmento dos BCC e com o combate entre Hangman Adam Page e
Swerve Strickland?
Não vos consigo dar uma resposta clara, até porque a minha
perspetiva pode não coincidir com a vossa. Mas se partirmos do testemunho que
Mercedes Moné deu em relação ao irmão Joshua (que sofre de autismo) e à relação
que tem com o wrestling, talvez a realização de segmentos como os que
vimos no All Out fosse de repensar. Isto porque, num grau demasiado profundo,
os comportamentos exibidos têm tendência a ser percebidos como moral e
eticamente corretos, deixando espaço para que sejam inconscientemente imitados.
Por outro lado, há aqui uma valente contradição: Sim, a AEW apresentou segmentos e combates demasiado violentos para alguns dos espectadores, mas a verdade é que a WWE, em 1999, colocou o Undertaker a enforcar o Big Boss Man no teto da cela após o Hell in a Cell Match da WrestleMania XV. Bem sabemos que os tempos eram outros e a sociedade lidava com as coisas de uma forma menos suscetível (algo que a efeméride que se assinalou nesta passada quarta-feira também veio mudar), mas nada nos garante que, há 25 anos atrás, também não estariam crianças a ver…
Em suma, dada a inexistência de uma resposta concreta à
pergunta, julgo que o que é preciso fazer é não tornar estes segmentos numa
norma, isto é, não chegar ao WrestleDream a 12 de Outubro e apresentar, de
novo, segmentos e combates que possam ferir violentamente a suscetibilidade de
quem vê.
E não é apenas por uma questão de sensibilidades: Tal como um
raspanete que se leva tende a ser mais eficaz se não for frequentemente dado
(isto é, por razões que não o justificam), a apresentação de elementos
violentos também tende a gerar reações de forma mais eficaz se não for
apresentada semanalmente.
O wrestling,
para contar histórias, tem que ter sempre algum elemento mais gráfico ou
violento. Fazer do wrestling uma carnificina semanal não o torna mais
“fixe”, apenas aprofunda o nicho em que se encontra.
E vocês, acham que a AEW foi longe demais com alguns
segmentos/combates apresentados no All Out? De que forma é que acham que a
violência encaixa no wrestling?
E assim termina mais uma edição de “Lucas Headquarters”!! Não se esqueçam de passar pelo nosso site, redes sociais, deixem a vossa opinião aí em baixo… as macacadas do costume. Para a semana cá estarei com mais um artigo!!
Peace and love, até ao meu regresso!